Literatura, ordem e progresso

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 04/09/2018 03:00 Atualizado em: 04/09/2018 08:37

Eu nunca tinha vivido nada igual. Perdoe o leitor por contar a bela experiência, vivida semana passada, por esta que vos escreve. O professor em colégio da cidade, tinha apresentado Muito além do corpo, aos alunos. Aula de português e de poesia, a literatura como meio de se construir uma sensibilidade, uma visão de mundo, de cidadania. Os adolescentes tinham comprado o livro há pouco reeditado (a Cepe fez uma boa redução no preço, bendita seja), leram, comentaram, curiosos pra conhecer a autora. Já na secretaria do colégio, a acolhida e o sorriso de Catarina, que organizou o encontro, nomes que eu esquecera, “Fui sua aluna” e mais, a senhora me marcou, seu livro me transformou, céus, que alegria e que responsabilidade... Pois bem. Entro no auditório repleto, uns cem estudantes se levantaram ao entrar a visitante., como acontecia no grupo escolar Clovis Bevilaqua (inda hoje se faz assim?). Ambiente carinhoso, saudação simpática do diretor do colégio “uma honra, a presença da Academia Pernambucana de Letras, uma imortal entre nós!” (imortal, ai de mim, digo eu), apresentação pelo professor da disciplina, silêncio respeitoso da turma. Um parênteses: durante anos, com Raimundo Carrero e Gilvan Lemos, íamos falar, com cidades do interior, pra vestibulandos que não podiam pagar cursinhos e lembro o espanto de um deles ao nos ver: Então escritor é vivo? Mas aqui eles sabiam meu nome e queriam me ouvir. Curiosos, sensíveis, disciplinados, fizeram perguntas pertinentes, sobre o amor, sobre a vida, sobre a dificuldade de escrever. Comentaram o romance. Gabriel Henrique Barbosa, que escreve versos, deseja ser poeta e estudar filosofia, quer saber se o amor por alguém pode prescindir de palavras. Uma mocinha pergunta qual a relação entre uma obra de ficção e a verdade histórica: “a senhora não vai escrever sobre a revolução de 1817?” O professor agradeceu em prosa poética, ele que escreveu coisas assim, no livro Mosaico de sensações: “O livro que grita meu nome/traz a vida que procuro nas esquinas. O vento que me lava a face / (é costumeiro) traz saudades/ que até desconheço.” Foi uma tarde de alegria e carinho, de aprendizagem mútua e reflexão, concluída com o crepúsculo dourando o Capibaribe, ao lado. Com a presença atenta e simpática do diretor do colégio, coronel-comandante Alberto Cassiano Barbosa, leitor de Machado de Assis. Da simpática major Sávia, tão bela em sua farda estrita, dos sargentos Ramos e Zegas, evangélicos, que me deram carona e conversaram sobre literatura e música. Eduardo Gomes, o professor- poeta, me contou sua origem de menino do Coque, hoje diplomado pela Ufpe, formação e vocação que será talvez a de muitos dos alunos, seguindo o exemplo de médicos, juízes, engenheiros, ex-alunos. Que aprenderam no hino do colégio, a se sentir “novos rebentos do audaz Leão do Norte” conforme escreveu o autor, o capitão João Batista da Costa. Tudo isso aconteceu no Colégio da Policia Militar de Pernambuco, no Derby. Numa tarde de agosto, que esta escriba jamais esquecerá.

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