Editorial O alto custo da negligência

Publicado em: 04/09/2018 03:00 Atualizado em: 04/09/2018 08:37

Quando o poder público se diz “perplexo” diante do incêndio, na noite de domingo, que calcinou o acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, estupefatos ficamos todos nós ante a confissão de irresponsabilidade, indiferença e negligência do Estado frente às demandas de instituições culturais e a preservação dos próprios besns públicos. O Museu Nacional não era mais um museu entre os mais de 3 mil existentes no país. Era o mais importante, com 20 milhões de itens, entre os quais relíquias raras e singulares, de valor imensurável, além de estudos científicos concluídos ou ainda em andamento. Era reconhecido como o mais importante centro de referência da antropologia do país e da América Latina.

Criado em 1818, por dom João VI, na Quinta da Boa Vista, o Museu Nacional, havia décadas pedia socorro à União. Era visível a precariedade das instalações da obra edificada 200 anos atrás, completados em 6 de junho último. Só a indiferença do Estado não enxergava o risco das instalações elétricas e das paredes carcomidas pelo tempo. O alerta para o risco de incêndio estava presente a cada solicitação dos dirigentes para justificar a necessidade de reformas no prédio. O orçamento minguado da instituição, entre 2008 e 2017, sempre foi insuficiente para fazer os reparos necessários. Em 2010, o Museu contou com o maior orçamento da sua história: R$ 1,618 milhão. A partir daí, os recursos foram diminuindo. No ano passado, contou só com R$ 669.481.

Em contrapartida, em 14 anos, o Maracanã passou por três reformas que somaram R$ 1,2 bilhão. A Copa de 2014, segundo o Tribunal de Contas da União, custou aos cofres públicos R$ 25,5 bilhões, grande parte desperdiçada com a construção de estádios que se transformaram em megaelefantes brancos, sem qualquer utilidade à população. Com o Mundial de Futebol e a Olimpíada de 2016, a União investiu R$ 39,5 bilhões dos R$ 66 bilhões consumidos pelos eventos esportivos que, ao fim, não implicaram ganhos significativos à sociedade.

No ano passado, o Museu Nacional recebeu 197 mil visitantes. No mesmo período, 289 mil brasileiros passaram pelo Louvre, em Paris. Entre as muitas razões dessa diferença está a violência urbana, que inibe o desejo dos brasileiros de irem a locais onde a criminalidade forjou um Estado paralelo e tornou a população refém da violência. A diferença evidencia que o brasileiro gosta de cultura, mas prima, sobretudo, pela segurança.

O sentimento de perplexidade cabe quando algo, absolutamente inesperado, infelicita uma comunidade ou uma nação. Não foi o caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro. A tragédia, que consternou o país, estava anunciada. Falta ao Brasil um mínimo de senso de responsabilidade dos gestores com a coisa pública. Se ela existisse, hoje o país não estaria de luto por tamanha perda causada ao patrimônio cultural e científico brasileiro, com ampla repercussão nacional e internacional, qualificada, inclusive, de crime de lesa-humanidade. Um vergonha, pela qual o país não precisaria passar.

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