Socialismo a conta-gotas

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 25/08/2018 03:00 Atualizado em: 27/08/2018 09:25

As esquerdas tradicionalmente defendem governos maiores, com proporção maior do PIB nas suas mãos. Algumas relações criadas acima de tudo a partir de esperança e desejos justificam essa preferência. Entre elas cabe destacar o fetichismo criado pelos escritos de Marx, Engels e Lenin de que o fim da propriedade privada poria toda a produção social nas mãos do governo, que a partir de planejamento asseguraria maior eficiência da produção e uma distribuição mais justa dos seus resultados, sem a apropriação indevida e elevada dos capitalistas, que sequer teriam contribuído para sua geração, na visão deles. A partir dessa utopia inicial, desenvolveu-se a ideia do socialismo a conta-gotas. Quanto mais a produção se concentrar nas mãos do governo, mais próximo se estará do socialismo. Essa extensão, obviamente, é ingênua, pois é possível ter um governo grande, mas a serviço de poucos, como aliás ocorria na época do absolutismo em alguns países europeus e ocorre no Brasil atualmente. Marx, Engels e Lenin não eram idiotas e sabiam disso. Por isso, nunca defenderam o socialismo a conta-gotas. Entretanto, como suporte a este último, desenvolveu-se a hipótese de que os governos seriam instrumentos eficazes de promoção da justiça social, pois não visam lucro e por tal podem praticar preços mais justos pelos bens e serviços que produzem, inclusive pagando melhores salários aos trabalhadores. Segundo essa visão, a distribuição de renda melhora quando a produção é mais concentrada nas mãos dos governos.

Análises estatísticas com dados para países mostram que de fato o aumento da participação do governo no PIB tende a estar negativamente correlacionado com o coeficiente de Gini, indicador de concentração de renda. Mas essa correlação é difusa e fraca, além de não implicar necessariamente em qualquer causalidade. Tal dispersão decorre dos muitos possíveis determinantes da alta participação dos governos na economia e suas diferentes consequências para a distribuição de renda. Se o fundamento para tal for o crescimento da burocracia regulatória e os salários pagos a servidores públicos, além de poder propiciar mais oportunidades para a corrupção, certamente o impacto tende a ser concentrador de renda, como ocorre no Brasil atualmente. Mas se a razão do tamanho do governo for o alto e eficiente gasto em educação, saúde e políticas sociais compensatórias, o impacto deve gerar melhor distribuição de renda. Esses possíveis efeitos contraditórios do crescimento dos gastos públicos são responsáveis pela fragilidade e alta dispersão da correlação acima citada.

Além disso, vale salientar que o impacto da participação do governo no crescimento econômico é claramente negativo estatisticamente (utilizando-se dados longitudinais para países). Isso se deve ao fato de que os governos tendem a ser mais ineficientes. Por isso, concentração de recursos nas suas mãos geram menos crescimento econômico. Ou seja, a simples defesa do crescimento do tamanho do governo não necessariamente é uma política de esquerda. Para ser de esquerda as políticas devem aumentar a igualdade de renda, mas também elevar o ritmo de desenvolvimento das forças produtivas (mais crescimento) e promover a democracia. Essa última, por sua vez, muitas vezes é violentada com aumentos de governos porque eles se tornam mais poderosos e autoritários, algo muito comum de acontecer. Ou seja, a fórmula do socialismo a conta-gotas é extremamente perigosa. Por isso, o eleitor não deve cair no fetiche de associar propostas de governo que defendam políticas estatizantes com postura de esquerda. Às vezes tais propostas encobrem uma ideologia de direita, mesmo que algumas vezes travestida de esquerda. Vide o caso de Dilma, pois ela concentrou renda e arrebentou o crescimento, apresentando-se como de esquerda.

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