O reajuste do Judiciário

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 24/08/2018 03:00 Atualizado em: 24/08/2018 08:36

A contradição não poderia ser mais escandalosa nem mais brutal: enquanto o Executivo quer congelar o reajuste dos seus servidores, o Judiciário reclama, para si mesmo, um aumento de 16%... Esse pleito põe a nu uma das maiores deficiências da Constituição brasileira: a desigualdade profunda entre os poderes. É muito cômodo para um Poder, que não tem responsabilidade para gerir as finanças públicas, definir reajustes para si mesmo – como está fazendo o Judiciário, e certamente o Legislativo imitará. Em decorrência desse autoaumento do Judiciário, o Ministério Público faz o mesmo, e todo um efeito cascata se estabelece, atingindo os Judiciários e os Ministérios Públicos estaduais.

Há algo de cínico na alegação de que, prometendo fazer revisões nas rubricas dentro do próprio orçamento, reajustes assim não afetam o orçamento geral do País. Se assim for, a única conclusão óbvia é que esses orçamentos estão hiperdimensionados, preveem valores além das necessidades reais do Poder – a ponto de poderem algumas verbas ser assim suprimidas.

Pior ainda é a alegação perversa de que o Judiciário pode ter esse aumento por conta dos altos valores que, com suas sentenças, fez retornarem aos cofres do Estado – o que converteria os juízes não em servidores, mas em sócios da nação. O que seria, ao cabo, da realização da justiça se os juízes tivessem participação no resultado de suas sentenças? Como se poderia acreditar na imparcialidade e na isenção delas? Como se poderia respeitá-las?

Na outra ponta da contradição, o Executivo – por conta das óbvias dificuldades financeiras nacionais, a que os dois outros poderes se mostram absolutamente insensíveis – quer congelar reajustes dos funcionários federais. O que é clarissimamente inconstitucional. É determinação literal do art. 37, X. Dispondo regras para a remuneração dos servidores, acrescenta este inciso que é “assegurada revisão geral anual”. Portanto, a cada ano, tem de ser feita uma revisão salarial. Como se pode, sem reforma constitucional, não proceder anualmente a algum reajuste? Governo que não fizer, num ano, revisão salarial para os servidores, claramente descumpre a Constituição, comete crime de responsabilidade e deve sofrer impeachment.

Tudo seria facilmente resolvido se se incluísse na Constituição a regra que obviamente falta: a de que reajuste salarial por conta de inflação, portanto para recuperação do poder aquisitivo da moeda, tem, além de anual, de ser igual para todos. Se a razão é a mesma, a saber, as perdas inflacionárias, se o nível da inflação não foi diferente para os diversos poderes, é mais do que evidente que reajustes, com essa fundamentação (não para corrigir eventuais distorções remuneratórias), têm de ser um só. Não há a mais mínima razão para se adotarem reajustes diferenciados, cada Poder definindo o seu, como a Constituição lamentavelmente autoriza. Esta, a única origem da confusão atual, que seria facilmente resolvida por uma boa Emenda Constitucional. Que, além de tudo, teria o mérito de poupar o Judiciário do vexame pelo qual está passando.

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