Tamanho não é documento

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ.

Publicado em: 24/08/2018 03:00 Atualizado em:

Teve pouco destaque na mídia nacional a notícia vinda do Japão dando conta de prática inaceitável em pleno século 21, segundo a qual candidatas ao curso de medicina na universidade de Tóquio tinham suas notas rebaixadas pelos dirigentes da instituição, com o propósito de que não obtivessem aprovação no vestibular. Dessa forma poucas mulheres chegavam à faculdade. Para se ter uma idéia, em 2018 apenas 18% de mulheres ingressaram no curso de medicina. Após a imprensa denunciar a fraude, o ministro japonês, Yoshimasa Hayashi, pediu desculpas e mandou abrir investigação. O jornal Yomiuri Shimbun informou que a prática abusiva de rebaixamento da pontuação das mulheres vinha sendo praticada desde 2011. Segundo ainda esse veículo de comunicação, a conduta era motivada pelo incrível argumento de que “as mulheres abandonavam a profissão para se casar ou dar à luz, deixando os hospitais com falta de funcionários”. Essa repulsa, desprezo e mesmo ódio contra as mulheres, comumente tratado como misoginia, principal responsável, aliás, pelos assassinatos contra elas, conhecido como feminicídio, tem raízes históricas ainda não superadas e variadas motivações . Em todo o mundo essa aversão mórbida, patológica ao sexo feminino acaba levando a agressões físicas e psicológicas, mutilações e abusos sexuais; torturas e perseguições. Não vai longe o tempo em que até o tamanho do cérebro ou a quantidade de neurônios eram usados para discriminar as mulheres. A ciência veio e desmoralizou o argumento. Outro dia li exatamente sobre esse tema em livro da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Vanderbilt - EUA(2012/32). Um dos artigos, com o sugestivo título - Quantos neurônios ainda me restam? - Faça as contas e veja que tamanho não é documento, nem mesmo no cérebro. Pois bem, tratando exatamente da irrelevância do peso e do tamanho do cérebro, bem como da quantidade de neurônios, dizia ela: “Fazendo as contas, um homem saudável de 90 anos ainda tem mais neurônios no córtex do que uma moça de 20. Mesmo o mais chauvinista dos homens há de convir que a moça levará vantagem em vários testes de memória ou raciocínio...o que deveria ser prova suficiente de que não é uma diferença de 10% ou mesmo 20% no número de neurônios que determina as habilidades de alguém, velho ou moço”. Mas há antecipações históricas que nos orgulham. Já lá se vão mais de 150 anos quando Tobias Barreto(um homem estudioso e com visão antecipada das coisas) fez memorável defesa de uma moça que queria estudar medicina, ganhou bolsa para o exterior, mas havia sido vetada pelo parecer de um médico que dizia não ter a mulher condições intelectuais de cursar medicina. Veio a resposta do sergipano pernambucanizado. Entre tantos argumentos, deixou implícito a ignorância do médico, pois a Europa já vinha formando doutoras em medicina desde 1867, a começar pela russa Nadeschda Suslowa, na universidade de Zurique. Portanto, o sergipano ilustre argumentou que, auferir o grau de inteligência de uma pessoa pelo peso ou tamanho do cérebro, era tese vencida, e não fazia honra a quem ainda a defendia. E foi mais longe, ao asseverar que, além de equívoco científico, era também grave injustiça histórica às mulheres. E passou a citar algumas das mais importantes de todo o processo civilizatório, inclusive Tarsélia, de Mileto, mestra de Aspácia, a mulher de Péricles, a mestra de Sócrates, que foram sábias e mães. Por tudo isso, quando ainda hoje vemos essas condutas mesquinhas em cima das mulheres, dá vontade de formular a nunca assaz lembrada pergunta: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”. 

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