Tragédia grega

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.

Publicado em: 18/08/2018 03:00 Atualizado em: 19/08/2018 20:55

A eleição brasileira está visitando a tragédia grega. Que é o mais antigo gênero artístico nascido em ritos religiosos. Em honra a um mito, Dionísio, deus da embriaguez e da loucura.

A tragédia grega, geralmente com final infeliz, era apresentada através de ditirambos. Eram cantos corais, apaixonados pelo encanto do mito, do deus.

No teatro grego, seguidores de Dionísio, faunos e sátiros, acompanhavam a declamação do corifeu. Na avenida brasiliense, filhos da seita, a soldo, ecoaram a oração da persona.

No teatro grego, persona é máscara. Era personagem vivida por um ator. Per sonare. Soar através de. Na tarde brasiliense, o representante vestiu a máscara. Para a interpretação torta de outra persona. Máscara.

Nesse instante, a eleição brasileira atravessou o milênio. E vestiu, dolorosamente, a roupagem ambígua da tragédia grega. O representante virou representado. E, em improvável inversão, a farsa política desfilou o desatino social findando a tarde tropical.

No teatro grego, a beleza estava na autenticidade das palavras. Em Brasília, a feiura esteve na falsificação de conceitos. Tomemos a noção de democracia. Quem mais pronuncia a palavra democracia, por trejeito retórico, é quem mais trabalha contra ela.

Pois democracia repousa na lei. A base da democracia está no respeito à lei. Portanto, quem confronta a lei, afronta a democracia. Democrata não é quem retoricamente frequenta o vocábulo. Democrata é quem respeita a lei. E assim exercita a democracia.

Não há democracia sem lei. Onde não há lei, reina a anarquia. E a anarquia é o prefácio da tirania. Os que querem violar a lei, desrespeitando a democracia, são adoradores de politburo. De comitês que detestam a liberdade. Porque são pobres no criar. Virando adeptos de oligarquias afeitas ao mercantilismo.

Por isso, temem a imprensa. Porque a informação é a ultrassonografia que o cidadão usa para enxergar a corrupção. A exemplo do mensalão e do petrolão. Como disse a ministra Carmen Lúcia, democracia não é para fazer a vontade de alguém. Ou de alguns. É para organizar as expressões de todos.

Que tipo de democracia quer no Brasil quem defende Maduro?

Esta eleição mostra dois riscos ameaçando o país: desapreço à instituição judiciária e inconsistência partidária. No primeiro caso, a lei da ficha limpa existe. Está em vigor. Mas julgadores se permitem colocar em dúvida sua aplicação. Sobrepondo à instituição legal suposta inclinação pessoal. Comprometer a aplicação da lei é desconstruir a democracia. Trinca sem ás.

No segundo caso, forma-se na política brasileira massa de manobra sem critérios e sem valores morais. Centrão que muda para blocão. Para fazer mais do mesmo: política impatriótica em favor de si próprios. Os golpistas de ontem são os aliados de hoje.

O desfile dionisíaco em Brasília foi espantoso. Não bastam cabelos brancos e rugas, que o tempo oferta, para dar sensatez a parlamentares que idolatram o caudilhismo. Nós sabemos aonde isso vai parar.

Uma palavra final: a estratégia do confronto, feito na soleira da inépcia, é moralmente irresponsável. Porque desune a população. A submissão juvenil ao mito aguça o extremismo. É preciso criar pontos de confluência e equilíbrio para os quais convirja acordo político.

Façamos uma eleição sem máscara.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.