Editorial Benefício em xeque

Publicado em: 14/08/2018 03:00 Atualizado em: 14/08/2018 08:35

Brasília teve um fim de semana de horrores. Um detento em regime semiaberto, beneficiado com o saidão do Dia dos Pais, rendeu uma mulher e uma criança no centro da capital e fugiu com ambos como reféns no carro da vítima, uma Pajero. Perseguido, ele trocou tiros com policiais, perdeu o controle do veículo e bateu numa Kombi, que se chocou com um Ecosport. Os passageiros da Kombi morreram no local. As cinco pessoas que estavam no Ecosport foram levadas para o hospital, e uma delas em estado grave.

A tragédia ilustra episódios que se repetem em todo o país a cada data comemorativa. Os presos saem para passar três ou até sete dias com familiares e voltam a delinquir: assaltos, latrocínio, estupro e outras barbaridades. A violência crônica que atinge elevados níveis no Brasil, com 63.880 homícidios registrados em 2017, tem momentos em que se torna mais aguda e não há como negar que os saidões colaboram para esse fenômeno.

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, no fim do ano passado, projeto de lei que reduz o número e a duração das saídas temporárias de presos. Hoje a Lei nº 7.210/1984, que instituiu a execução penal, permite que o detento fique até sete dias fora do presídio, até cinco vezes por ano. A mudança reduz para quatro dias e só duas vezes por ano. Para ser beneficiado, o detento deverá ter cumprido um quarto da pena e metade, caso seja reincidente. Os sentenciados por crime hediondo, tortura, tráfico de drogas e terrorismo só poderão usufruir da saída temporária após o cumprimento de dois quintos (40%) da pena, caso seja primário, ou três quintos (60%), se reincidente.

Hoje, basta o preso ter cumprido um sexto da pena e ter bom comportamento para conseguir a saída temporária. O requisito é muito frágil, nem de longe permite que se avalie a capacidade de reabilitação de um apenado de alta periculosidade. O diretor do Departamento de Polícia Circunscricional da Polícia Civil do Distrito Federal, Jeferson Lisboa, reconhece que há uma falha na legislação. “Em crimes praticados sob grave ameaça, a pessoa não deveria ter esse tipo de benefício de uma maneira tão rápida”, diz o delegado.

O sistema prisional é caótico em todo o país. Hoje, são quase 729.463 detentos — população superior a de João Pessoa, capital da Paraíba, que abriga 723.514 pessoas —, comprimidos em 367.217 vagas. A superpopulação nas cadeias é um dos fatores que compromete qualquer processo de ressocialização. Além disso, sem possibilidade de estabelecer critérios seletivos, infratores de baixa e alta periculosidade convivem no mesmo espaço, onde estão também integrantes de organizações criminosas —a cooptação passa a ser inevitável. Com as devidas exceções, quem deixa a penitenciária não sai reabilitado, mas integrante de facção.

Aumentar as penas ou impor mais severidade, aparentemente, pode ser um caminho. Mas a cada onda de crimes, os legisladores tomam essa providência e, nem por isso, a violência diminui no país. Pelo contrário, os criminosos desafiam as forças de segurança pública. Repensar o sistema penitenciário brasileiro é um dos desafios de quem for escolhido para assumir o Palácio do Planalto em janeiro próximo. Não basta inflar as cadeias. É preciso evitar que os crimes ocorram, que os presidiários tenham acesso a serviços que os levam à reabilitação. Esse e um processo que não começa a partir da primeira infração, mas bem antes, com ações preventivas que têm a educação como espaço adequado para impedir que jovens sejam empurrados para as vias do descaminho do crime.

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