Editorial Cotidiano de horror

Publicado em: 09/08/2018 03:00 Atualizado em: 09/08/2018 08:50

Em três dias, três mulheres foram assassinadas em Brasília por homens. Em São Paulo, Paraná, Piauí, Minas Gerais, o mesmo tipo de violência se repetiu, com números variáveis de óbitos. O marido, o ex-namorado, o ex-companheiro foram os algozes. A cada dois minutos, uma mulher é espancada e, a cada uma hora, 503 são vítimas de agressão em algum ponto do território nacional. No país, ocorre um estupro a cada 11 minutos. Em 2010, o Brasil estava na sétima posição no ranking de homicídios por gênero. Hoje, ocupa o quinto lugar. No caso das mulheres, com uma taxa de 4,8 assassinatos em cada 100 mil, a maior do planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). É um cotidiano de horror.

A Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) completou 12 anos e continua sendo desafiada por covardes que coisificaram a mulher e a têm como objeto de uso e domínio. O crescimento da violência doméstica e dos crimes por gênero passaram à condição de hediondo, com a sanção da Lei nº 13.104, que alterou o artigo 121 do Código Penal e elevou para até 30 anos a pena de reclusão. A combinação triangular de machismo, patriarcalismo e conservadorismo está refletida no crescimento da violência contra a mulher no país.

Desconstruir a cultura do machismo passa, necessariamente, pela educação de homens e também de mulheres que, muitas vezes, adotam comportamento machista e conservador na criação de filhas e filhos. Assim, ela perpetua um processo que se arrasta há séculos no país e se traduz em tragédias, por uma compreensão absolutamente démodé em relação ao papel feminino na sociedade. As instituições públicas ou privadas aviltam a mulher, quando depreciam sua capacidade laboral, consolidando a ideia de que ela deve estar sempre submissa ao comando masculino.

O poder público tem sido negligente diante do aumento das agressões. Faltam delegacias especializadas e agentes com formação compatível para o atendimento às mulheres que buscam, com base nas leis protetivas, o amparo do Estado, antes de serem a próxima vítima a sucumbir pelas mãos do ex ou do companheiro violento. Mas não só isso. Faltam também políticas públicas que garantam amparo social, psicológico e outros serviços que permitam à mulher reconstruir a vida longe dos agressores.

O Judiciário também é leniente com as denúncias. Em Brasília, um magistrado libertou marido agressor que executou a mulher com 20 facadas. O juiz alegou que “não tinha bola de cristal” para prever a tragédia. Mas boa parte, tanto dos policiais quanto dos juízes, tem comportamento que traduz a forma distorcida e preconceituosa que receberam ao longo da vida, o que contamina a tomada de decisões.

Além disso, o sistema penitenciário brasileiro não tem capacidade de promover a reinserção dos detentos na vida em sociedade. Pelo contrário. Quem passa pelos presídios sai pior do que entrou. Mudar esse cenário de horror exige políticas preventivas, que reeduquem o indivíduo para o convívio em família. Não há forma de quebrar a cultura do machismo sem muito trabalho e investimento em educação.

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