Editorial Ato extremo

Publicado em: 06/08/2018 03:00 Atualizado em: 06/08/2018 09:48

O aborto é a quinta causa de morte materna no país, informa o Ministério da Saúde. Em 2015, estima-se que 503 mil mulheres interromperam ilegalmente a gestação, segundo Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ou seja, ocorreu um procedimento a cada um minuto no país. O Código Penal — Artigos 124 e 126 — estabelece pena de três anos para as mulheres que praticam aborto e de até quatro anos para quem o faz com o consentimento das gestantes. De acordo com lei, só estão livres de punição quando o procedimento implicar risco à vida da mulher, em caso de estupro e se for constatada anencefalia no feto.

Os números mostram que sanção penal não impede a interrupção clandestina da gravidez, o que expõe as mulheres a todos os riscos que o ato implica. Hoje, a questão é vista pelos especialistas como um problema de saúde pública. Avaliam que a descriminalização mudaria a realidade. A polêmica divide a sociedade brasileira e chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 422, apresentada pelo PSol em parceria com o Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que propõe a descriminalização até a 12ª semana de gestação. Amanhã, a ministra Rosa Weber encerrará a audiência pública, iniciada na sexta-feira, para balizar o parecer que submeterá a ADPF ao julgamento pelo plenário da Alta Corte.

Em oposição aos que defendem o direito da mulher decidir abortar ou não está o Movimento Brasil sem Brasília (UnB) Lenise Garcia sustenta que os números são exagerados em relação às interrupções ilegais de gravidez, bem como os de vítimas. Segundo ela, a eliminação da nova vida impõe consequências físicas e psicológicas às mulheres. E acrescenta que o bebê também tem direitos, entre eles, o da vida.

O perfil socioeconômico das que apelaram ao aborto é outro elemento à reflexão. Pelo menos 22% estudaram até o quarto ano. Dezesseis por cento têm renda de até um salário mínimo. No recorte raça/cor, 29% são negras (15% pretas e 14% pardas) contra 9% de brancas. Essas mulheres não têm como buscar meios seguros para interromper a gestação. Recorrem a medicamentos e 48% delas acabam tendo complicações que levam à internação ou à morte.

O Brasil tem a legislação mais restritiva do planeta em relação ao tema. Em Portugal, a legalização reduziu o número de abortos. Em países latinos, como o Uruguai, a liberação veio acompanhada da ampliação de serviços de saúde reprodutiva. Manter a atual legislação é preservar práticas clandestinas. Por ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende mais de 200 mil mulheres vítimas de complicação por interrupção da gravidez em situações precárias e inadequadas.

Punir quem aborta com a pena de prisão em nada muda o fato gerador da infração, mas impõe mais sofrimento às mulheres e desconsidera todos os fatores que as levaram ao ato extremo. É preciso repensar a questão de modo compatível com o atual nível civilizatório do século 21, deixando de lado dogmas seculares que sempre subjugaram o universo feminino. Essa mudança passa pelo processo educacional, sobretudo dos jovens, sobre sexualidade e reprodução humana.  

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