Mulheres e futebol

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 04/08/2018 03:00 Atualizado em: 06/08/2018 09:49

Eu fui ao estádio de futebol umas cinco vezes na vida. Sempre nos jogos do Sport e da Seleção Brasileira. Gostei bastante! Gostei mais da festa, que do jogo em si. Apesar de rubro-negra, a verdade é que não me interesso por futebol. Comemoro quando o Sport ganha, porque gosto da festa e quando os outros times perdem, porque perco o amigo, mas não perco a piada.

Meu conhecimento sobre futebol se limita às manchetes que leio no jornal, para não me sentir fora do mundo. Acho que é por isso que não me agride tanto quando escuto alguém dizer que futebol é coisa de homem. E talvez porque não me agrida é que eu seja capaz de fazer uma reflexão mais cuidadosa sobre o tema.

Sinceramente, não perco nem meu tempo nem meu humor rebatendo uma afirmação dessas. Nem acho que a pessoa que diz isso é necessariamente uma pessoa machista. Isso porque se nós olharmos as evidências, inclusive históricas, a afirmação não é incorreta.  É apenas uma afirmação sem reflexão.

Acho que a preocupação das mulheres não deveria ser questionarem ou rebaterem essa afirmação em si, até porque esse processo é cansativo, despende muita energia e tenho minhas dúvidas se é eficaz, mas sim preocuparem-se em entender e combater as evidências, inclusive históricas, que confirmam essa afirmação irrefletida. Conheço mulheres que amam e vários homens que não têm nenhum interesse por futebol. Simplesmente porque se interessar ou não por futebol é uma questão de gosto, não de gênero.

Machismo é não admitir que uma mulher possa se interessar, gostar e jogar futebol; é não admitir que essas mulheres que gostam e acompanham o futebol possam dar opiniões inteligentes a respeito do tema; é não admitir que comentaristas mulheres possam desempenhar bem o seu trabalho; é assediar as mulheres que frequentam os estádios, entre outras situações que eu poderia citar.

Eu não sei se os leitores sabem, mas as mulheres foram proibidas de jogar futebol no Brasil por 40 anos. O decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, dizia:  “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Giovana Capucim e Silva estudou em seu mestrado o tema, de que resultou o lançamento do livro “Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo”. Após quatro décadas de proibição legal, a regulamentação do futebol feminino ocorreu em 1983, graças à luta de jogadoras e a relevância econômica internacional. A proibição, no entanto, tem reflexos negativos no esporte até hoje, como o pouco incentivo ao futebol feminino e a falta de patrocinadores.

Esse dado histórico é capaz de explicar porque até hoje futebol é coisa de homem, o que se evidencia na maior quantidade de homens que jogam futebol, na maior presença de homens nos estádios, no maior incentivo ao futebol profissional masculino, entre tantas outras consequências dessa grande violência estatal contra o direito das mulheres de gostarem e de praticarem um esporte.

Eu considero bastante feministas atitudes como a de Pietra, filha de uma amiga minha de infância que reclamou na escola porque o campo de futebol era dividido por dia entre as turmas para uso no horário do recreio, só para os meninos jogarem. Ela pleiteou que as meninas também tivessem direito a jogar futebol no campo, na hora do recreio.

Como, também, o movimento recentemente divulgado na imprensa de torcedores do Vasco contra o assédio sofrido por mulheres nas arquibancadas, que recebeu, inclusive, o apoio do clube. São atitudes feministas como estas que têm o poder de mudar o status quo.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.