Olhai os ostentadores do campo

Duciran Van Marsen Farena
Procurador regional da República

Publicado em: 02/08/2018 03:00 Atualizado em: 02/08/2018 06:17

Nos primórdios do capitalismo, a riqueza era algo diferente do que conhecemos hoje. No início do século passado os pobres olhavam os ricos como seres de outro planeta. Refinados, cultos, inatingíveis, sua vida era envolta em uma aura de mistério e glamour. Os modos e o vestuário já denunciavam um rico à distância. Até na tragédia mostravam sua classe, como no naufrágio do Titanic. E não faltavam romances que exploravam essa diferença: o pobre que ambiciona tornar-se um deles, a mocinha humilde que se apaixona pelo cavalheiro de boa família, mas as conveniências impedem… Um exemplo na literatura nacional é o romance Olhai os Lírios do Campo, de Érico Veríssimo. Rapaz pobre, filho de alfaiate, sonha com riqueza e prestígio. Forma-se em medicina, mas nada do passaporte para a fortuna que imaginava. Até que se casa com uma moça de alta classe, refinada e culta. Ela dedica seu tempo a jantares e discussões filosóficas, assuntos que variam de Freud à pintura abstrata, e tem uma leve propensão ao fascismo (anos 30). Ele não se adapta, o casamento se desmancha, há um verdadeiro amor do passado, não realizado, porque a moça era pobre… Como Érico Veríssimo era um comuna, para os padrões de hoje, o rapaz aprende que riqueza e poder não são tudo na vida. Bom. Salvo alguns resquícios em desaparição, como as novelas mexicanas, este padrão cultural desapareceu – o capitalismo tem uma incrível capacidade de adaptar-se, e essa história de distinção era antipática, estimulava o ressentimento, não a imitação. Hoje a indústria do entretenimento e as mídias sociais equalizaram tudo:  o rico é apenas um pobre revestido de luxo e ostentador. O mesmo linguajar, a mesma vulgaridade, a mesma música, a mesma roupa (apenas de marca)… as mulheres, tatuadas, bunda, peitos e lábios inchadíssimos, usam adereços berrantes e gigantescos, e vestem trapos desfiados de griffe. Os homens, quando jovens, bombados, depilados e tatuados, iates e carrões, cercados de mulheres como as já descritas, e quando velhos, botoxizados e acompanhados do mesmo tipo de mulher. Ser chique, hoje, é apenas ter produtos caros e ostentá-los o máximo possível. Assim a elite se democratiza, e o sonho se torna acessível: basta um pouco de dinheiro para que as artes do célebre “Doutor Bumbum” e as imitações chinesas, tudo ostentado nas redes sociais, façam qualquer lascado(a) parecer um milionário. Acabou-se aquilo do pobre trabalhador e ambicioso, da mocinha recatada e romântica que atraiu com seus modos tímidos um filho de família de posses. Olhai os lírios do campo, nem Salomão em toda sua glória… Hoje, presenciamos o espetáculo da ostentação bizarra. Imagino que em algum lugar do mundo, no Ritz de Paris ou Nova Iorque, quem sabe, bilionários elegantes e discretíssimos reúnem-se secretamente para discutir filosofia, poesia, arte, e, principalmente, rir do mundo que criaram. Mas talvez seja só teoria da conspiração.

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