Guarda e visita de adolescente

Silvio Neves Baptista
Advogado e professor de direito civil. Membro da Academia Pernambucana de Letras.

Publicado em: 01/08/2018 03:00 Atualizado em: 01/08/2018 08:16

Estão sujeitos à guarda unilateral ou compartilhada todos os menores, crianças e adolescentes. A Lei nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – define como crianças as pessoas de zero a 12 anos incompletos, e adolescentes os maiores de 12 e menores de 18 anos. O Código Civil, no entanto, ao disciplinar a guarda e o exercício do direito à visita, não atentou para a importante distinção que fizera o ECA, e deu a todos os menores idêntico tratamento legislativo, desprezando as diferenças existentes entre as duas faixas etárias.

Pela sistemática do Código, as regras atinentes às crianças de zero a 11 anos são as mesmas para os adolescentes de 12 a 17 anos. Assim, o exercício do poder familiar, o direito à guarda, as visitações periódicas de pais separados, a moradia, a supervisão quanto às situações que afetem a educação e a saúde física e mental do menor, as audiências com pai e mãe, sem a oitiva nem a presença do menor interessado, as viagens ao exterior, inclusive as sanções quanto ao descumprimento das regras, enfim, tudo o que pelas normas do Código Civil se aplica aos menores de zero a onze anos, é igualmente aplicável aos maiores de 12 e menores de 18.

Todavia, decidir sobre guarda ou visita de um infante nos primeiros anos de vida, não é a mesma coisa que determinar a guarda ou regulamentar a visitação de adolescente às vésperas da maioridade.

Fazendo uma interpretação sistemática que relacione as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente com as disposições do Código Civil, hão de ser aplicadas as normas especiais do ECA a tudo aquilo que diz respeito ao menor e que vise assegurar o seu interesse, nomeadamente as regras que estabeleçam a guarda e disciplinem a visitação de filhos de pais separados. Como demonstrou a ministra Nancy Andrighi, nos processos que envolvem interesses de menores, prevalecem as diretrizes do Estatuto quanto à proteção integral das crianças e adolescentes, cujas decisões devem pautar-se na premissa básica de prioridade aos interesses do menor (REesp 916.350 da 3ª Turma do STJ, DJ 26.03.2008).

Pelas normas do ECA, o menor é ouvido sempre que possível, quando se tem de julgar a sua colocação em família substituta (art. 28 § 1º), e nos casos de adoção de adolescentes, a sua oitiva é obrigatória, sem a qual não se defere a medida (art. 45). Nessa mesma linha, o Provimento 63 do CNJ determina que os maiores de 12 anos devem dar o seu consentimento quando do reconhecimento da filiação socioafetiva. Ora, se para a configuração dessas modalidades de filiação, a lei e o Provimento do CNJ obrigam a manifestação de vontade do adolescente, pelos mesmos motivos e princípios os maiores de 12 anos e menores de 18 devem manifestar sua vontade em todas as ações em que se discutem guarda e visitação. E não só guarda e visita. A meu ver, nenhuma medida judicial envolvendo interesses de adolescente pode ser deferida antes da sua oitiva. Estranhamente, a lei cuida do assunto como se estivessem em jogo os interesses de pai ou de mãe, quando na verdade a temática é sobretudo do interesse do menor.

Em suma, numa interpretação sistêmica, as normas que exigem a declaração expressa do adolescente devem por extensão, ser aplicadas a todos os casos em que o julgador tem de determinar a guarda e o exercício do direito à visitação de adolescentes, filhos de pais separados. Nos processos que envolvem crianças, elas poderão ser ouvidas ou não, a depender do critério do julgador. Mas quando se trata de processo que tenha por objeto a guarda ou a visita de adolescente, este menor deve necessariamente ser ouvido.

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