Editorial Um país fragilizado

Publicado em: 30/07/2018 09:00 Atualizado em:

O Brasil foi um dos pioneiros no enfrentamento das doenças preveníveis no planeta, com as campanhas anuais de vacinação infantil contra sarampo, poliomielite, difteria, tétano, coqueluche, febre amarela. Em 44 anos, o Programa Nacional de Imunizações (PIN) tornou o país reconhecido internacionalmente, por oferecer gratuitamente 27 tipos de vacinas pelo Sistema Único de Saúde. Em 1990, os brasileiros comemoram a erradicação da paralisia infantil. Mas, tratando-se de saúde pública, a continuidade das campanhas de vacinação são imprescindíveis para preservar os ganhos conquistados. Não foi o que ocorreu.

A cada ano, desde 2013, a cobertura vacinal vem caindo. No ano passado, a meta de 95% de imunização, recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), não foi alcançada. Chegou, em média, a 70% e, neste ano, foi menor ainda. Basta um caso para contaminar centenas de pessoas. Em 1997, a chegada de um bebê com sarampo a São Paulo, vindo do Japão, infectou quase 54 mil pessoas — uma epidemia de proporções subcontinentais. Dois anos antes, a vacinação alcançou, no Sudeste, só 76,91% do objetivo de 95%.

Hoje, o país está fragilizado diante de epidemias previsíveis. As autoridades sanitárias estão preocupadas. Elas sabem que o risco de contaminação aumenta quando diminui a parcela imunizada. O vírus do sarampo, em circulação na Venezuela, chegou aos estados da Região Norte, principalmente a Roraima e ao Amazonas, que têm recebido venezuelanos em fuga da crise social, econômica e política do país vizinho. Só neste ano, quase mil pessoas adoeceram. A mortalidade infantil aumentou após 26 anos. O número de pessoas infectadas pela hepatite A, em 2017, chegou a 2.086 confirmados, uma alta de 73% em relação a 2016, quando foram registrados 1.206 casos.O Ministério da Saúde confirmou, entre julho de 2017 e maio deste ano, a infecção de 1.266 pessoas e 415 mortes por febre amarela. Mais: 1.548 casos de coqueluche e surtos de caxumba.

A situação é bastante grave, reconhecem os especialistas. Em alguns casos, a falta de informação e campanhas sistemáticas pela imunização de crianças e adultos têm efeito perturbador, e abre brechas para que a desinformação conquiste terreno. Foi o que ocorreu na Europa, onde o movimento antivacina ganhou força, principalmente na Itália, e acabou contaminando parcela da sociedade brasileira. Muita gente acreditou que a vacina contra o sarampo provocava autismo nas crianças. No Brasil, nos últimos anos, os alertas à população foram bastante reduzidos. Não se viu nos veículos de comunicação, principalmente rádio e tevê, insistentes avisos sobre a abertura das campanhas e esclarecimentos sobre a importância delas para a saúde de crianças e adultos.

O cenário fica mais obscuro com o aumento da pobreza. Em decorrência da crise econômica, em 2016, o Brasil contabilizava 24,8 milhões de brasileiros com renda inferior a 25% do salário mínimo mês, ou cerca de R$ 220 — um aumento de 8,6 milhões de pessoas na miséria em relação a 2014. Hoje, são mais de 13 milhões de desempregados. Esse aumento perverso também repercute na higidez dos cidadãos. Reverter as políticas pública de saúde e resgatar a parcela da sociedade que saiu da miséria são desafios, entre muitos outros, impostos a quem for o vitorioso na corrida pelo Palácio do Planalto. Em vez de avançar, o Brasil vem regredindo ano a ano, em proporção direta ao aumento das endemias evitáveis tanto social quanto economicamente. O momento exige o realinhamento do país rumo ao desenvolvimento, com qualidade de vida à população.

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