O hipocampo e a cultura popular

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ.
fernandojparaujo@uol.com.br

Publicado em: 30/07/2018 09:00 Atualizado em:

Afirmam os cientistas que o hipocampo é um pequeno órgão localizado no lóbulo temporal do cérebro associado principalmente com a memória, em particular a memória de longo prazo. Pois então é dele que me valho para relembrar um interessante fato. Como já tive a oportunidade de informar em artigo neste mesmo canto de página (Recordação do Tempo Anterior – 17-8-2016), iniciei minha vida profissional como advogado, no início dos anos 1980, defendendo o patrimônio histórico. Fui advogado da Fundarpe. Em tal condição, frequentava as reuniões do Conselho Estadual de Cultura - CEC. Esse órgão se pronunciava, de acordo com a legislação da época, em todo e qualquer processo de tombamento ou destombamento proposto a nível estadual em Pernambuco. Sinto-me um privilegiado por ter convivido com os homens e mulheres que compunham aquele colegiado: Gilberto Freyre, Nilo Pereira, Lula Cardoso Ayres, Maria do Carmo Tavares de Miranda, Mauro Mota, Orlando Parahym e Gilberto Osório (esqueci de alguém, senhor hipocampo?). Eram sessões memoráveis. Ali atuavam eminentes humanistas. O casarão da Av. Oliveira Lima, 813, no bairro da Boa Vista era pequeno para o expressar de nossa cultura. Daí ser oportuno citar: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. Lá, no CEC, havia uma tradição, mas regimentalmente prevista, por meio da qual, todo grande evento cultural, data ou falecimento de alguém da área, o Conselho rendia suas homenagens. Havia morrido  de infarto fulminante o capitão Antônio Pereira, mestre do bumba-meu-boi (que também consagrou o “boi misterioso” e o “cavalo marinho”), nascido em Timbaúba/PE, mas radicado no Recife. O presidente do órgão, Gilberto Freyre, solicitou a Orlando Parahym que fizesse o panegírico, que é um discurso de exaltação em louvor do homenageado, de sua vida e obra. Doutor Orlando(abra-se aqui um parêntese) era uma figura humana singular. Culto. Finíssimo no trato. E tinha gosto em repassar seus conhecimentos e experiências. Pois bem, começou a falar sobre o que era a chamada cultura popular, sua importância para um povo e o quanto o capitão Pereira contribuiu para essa cultura. Em seguida, naturalmente, o seu lado de profissional entrou em cena. Como médico que era passou a explicar o que vem a ser um infarto do miocárdio. A necrose de uma parte do músculo cardíaco pela ausência da irrigação sanguínea etc. Depois, entrou nos sintomas. Dor no peito que se irradia pelos ombros ou braços. Ocorrência de suor, náuseas, vômito, tontura. Ansiedade, agitação etc. E todos os demais detalhes possíveis. Percebi que começou a haver um certo desconforto entre os conselheiros. Alguns passaram a deslizar em seus assentos. De súbito, o presidente Freyre interrompeu: “Parahym, homem, salte essa parte, fala mais do artista, estava ótimo!”. A descontração foi geral!

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