In dubio pro societate ou in dubio pau no réu?

Célio Avelino
Advogado

Publicado em: 25/07/2018 03:00 Atualizado em: 25/07/2018 08:32

O cansativo e surrado “princípio” do in dubio pro societate, não é um princípio, não beneficia a sociedade e nem a Justiça. Gera angústia, medo, insegurança, incerteza e beneficia apenas a acusação.

Escorados em tal “princípio”, adotando a lei do menor esforço, afirmando que a pronúncia não encerra um juízo de certeza, mas apenas de admissibilidade da acusação, muitos juízes submetem os réus a julgamento pelo Tribunal do Júri, sem que fundamentem suficientemente tais decisões.

Essa falta de fundamentação, vulnera não só a Constituição Federal que impõe que sejam “fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (Const. Federal, art. 93, IX), como também a legislação infraconstitucional que fala que o “juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação” (CPP, art. 413).

Embora a decisão de pronúncia não encerre um juízo de condenação, mas apenas de admissibilidade da acusação, está o juiz obrigado a fundamentar o seu convencimento, tanto no que diz respeito à materialidade do fato, como também em relação aos indícios suficientes da autoria.

Muitas vezes, os juízes, mesmo declarando haver dúvidas sobre se o crime é doloso ou culposo, decidem pronunciar o réu como incurso nas penas do artigo 121 do Código Penal, incluindo as qualificadoras do motivo torpe e meio que dificultou a defesa da vítima e, se a mesma for mulher, acrescenta outra qualificadora, o feminicídio.

Só com a certeza que o fato constitui crime doloso contra a vida é que o juiz pode mandar o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri.

A surrada e cômoda expressão in dubio pro societate não beneficia a sociedade, ao contrário, resolve-se simplesmente em prol da Acusação. A dúvida gera tensão, instabilidade, medo, incerteza, insegurança.

Essa questionável regra vale só em relação à autoria, onde a lei se contenta apenas com a “existência de indícios suficientes”, mas exige a certeza, não se contentando com a dúvida no que diz respeito à tipicidade.

A qualificadora do homicídio tem que estar contida na instrução do processo, não podendo ser admitida se estiver apenas narrada na denúncia instauradora da ação penal.

A decisão de pronúncia deve ter a sua motivação, tanto quanto à materialidade – se o fato constitui crime doloso contra a vida –, como em relação às qualificadoras, pois a sua falta viola não só a Constituição Federal, quanto a lei infra constitucional.

É o que tem decidido o Superior Tribunal de Justiça: “a decisão que submete o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri deve ser motivada, inclusive no que se refere às qualificadoras do homicídio, notadamente diante do disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que impõe a fundamentação de todas as decisões judiciais.

2. Não havendo no acórdão que submeteu o paciente a julgamento pelo Tribunal do Júri qualquer referência às provas que indicariam que os crimes teriam sido praticados por motivo fútil, por motivo torpe e mediante recurso que impossibilitou a defesa de uma das vítimas, imperioso o reconhecimento da nulidade da decisão no ponto.

3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular o acórdão que pronunciou o paciente na parte referente às qualificadoras do motivo fútil, do motivo torpe e do recurso que impossibilitou a defesa de uma das vítimas, determinando-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proceda à fundamentação acerca da procedência ou não de tais circunstâncias narradas na denúncia.” (STJ, HC 273959/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 05/05/2014).

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