O Plano Diretor e o futuro do Recife

Roberto Ghione
Arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de Pernambuco - IAB PE

Publicado em: 26/06/2018 03:00 Atualizado em: 26/06/2018 08:55

Muitas cidades encontram-se em processo de revisão do Plano Diretor, instrumento legal básico de um processo de planejamento municipal para a implantação de uma política de desenvolvimento urbano, norteando as ações dos agentes públicos e privados, segundo a ABNT; ou o conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano, segundo o Estatuto das Cidades.

A natureza de um Plano Diretor é ser participativo, para que o futuro da cidade seja decidido pelos cidadãos através das entidades e organizações da sociedade civil. Nada mais justo que essas decisões sejam assumidas democraticamente, dentro de prazos razoáveis, com a participação de quem de fato habita e usa a cidade, conjuntamente com os organismos de gestão.

A qualificação urbana de uma cidade a partir do desenvolvimento socioeconômico, da racionalidade na distribuição e uso das redes de infraestrutura e serviços, da eficiência na operacionalidade e na mobilidade, da organização espacial dos usos do solo, da preservação e valorização do patrimônio cultural, da paisagem urbana resultante da construção coletiva e das oportunidades de prosperidade social oferecidas, estabelecidos em planos e metas de curto, médio e longo prazos, são alguns dos objetivos centrais de um Plano de Ordenamento Territorial, do qual o Plano Diretor faz parte.

O progresso de um país depende do desenvolvimento urbano de suas cidades. Isso reforça a importância do Plano Diretor. Mas, além das características tecnocráticas, o que está em jogo é a decisão acerca do tipo de cidade desejada: para celebrar a vida em comunidade ou para lucrar com os benefícios financeiros derivados do próprio processo de urbanização; ou seja, a construção de uma cidade para promover a vivência coletiva e o desenvolvimento social e cultural de seus cidadãos, ou apenas para consolidar um balcão de negócios imobiliários, que beneficia determinados setores enquanto perpetua a desigualdade que condena o país ao subdesenvolvimento.

Em recente plenária do Conselho da Cidade do Recife, definiu-se um prazo de apenas 57 dias úteis para a participação da sociedade civil na elaboração do Plano Diretor, extremamente breve para construção coletiva do instrumento legal que decidirá o desenvolvimento urbano para a próxima década, considerando sua magnitude e complexidade, assim como os interesses em disputa pelo direito à cidade.

A pressa e o prazo curto manifestam uma visão superficial dos desejos e expectativas dos cidadãos, coloca em dúvida o compromisso da gestão municipal com o interesse geral, e levanta suspeita de favorecimento de interesses particulares.

Entre o poder da grana, que se aproveita do desenvolvimento urbano, e o valor da vida social, que manifesta a essência cidadã, a elaboração do Plano Diretor evidencia as misérias e as grandezas presentes no jogo político que decidirá o futuro da cidade. Entre o imediatismo que favorece a poucos e a transcendência que coloca os grandes homens nas páginas relevantes da história, este novo capítulo do Recife desafia as atitudes de grandeza e miséria dos responsáveis pela gestão de tão importante instrumento.

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