Nossos desencantos

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/06/2018 03:00 Atualizado em: 25/06/2018 09:05

Pesquisa recente do Datafolha com a população brasileira constatou que 62% dos jovens gostariam de deixar o país para morar no exterior. É um percentual alto que mostra muita insatisfação da população com a vida aqui em nosso país. Passei 9 anos fora do Brasil nos anos oitenta e início dos anos noventa. Período difícil aqui, assim como hoje, tendo a violência e a baixa perspectiva econômica, dado o crescimento econômico lento, como principais determinantes da situação complicada porque passávamos. Temos situação semelhante hoje. Entretanto, não se via esse desejo dos jovens de saírem do país como hoje. Mesmo os que lá fora estavam, sonhavam em voltar a residir aqui, ao término da temporada de “exílio” a que se propunham. Isso significa que há outros determinantes nas diferenças de aspirações dos jovens entre os dois períodos.

A economia naqueles tempos também andava lenta e aos pequenos solavancos. A média anualizada de crescimento do PIB per capita em quinquênios nesses nove anos (1984-1993) foi de apenas 0,4% ao ano, enquanto nos últimos nove anos (2008-2017), essa mesma média móvel quinquenal em taxas anualizadas foi de 1,8% (fiz médias anuais de cinco anos e tirei a média dessas médias nos nove anos entre 1984-1993 e 2008-2017). Ou seja, enquanto estive fora do Brasil, o desempenho econômico que leva à decisão das pessoas (cinco últimos anos como estimativa) foi pior do que recentemente. Apesar disso, poucos viam a opção de morar fora como uma boa alternativa. Hoje vemos muita gente querendo ir embora. Os determinantes econômicos apenas, então, não devem explicar a diferença de postura dos jovens.

A segurança certamente é um dos determinantes para boa parte dos que pretendem sair do país atualmente. Hoje é perigoso andar nas ruas brasileiras, ao menos nas grandes cidades. Mas tal problema também existia na época. Eu diria até que a criminalidade era mais chocante nos anos oitenta e noventa, pois as polícias possuíam menos tecnologias para reprimir o crime. Apesar de que a situação hoje também está muito complicada. Mas qualquer que seja a diferença em níveis de violência, ela será pequena e não é suficiente para justificar a mudança na postura das pessoas. Ou seja, a violência também não explica as diferenças de comportamento.

O que mudou bastante foi a visão que as pessoas têm do nosso país. Na época, estávamos em processo de reconstrução democrática e parte grande da população sentia-se como partícipe dele. Mesmo com as dificuldades, as pessoas se sentiam inseridas nessa reconstrução. Percebiam que em tal processo haveria oportunidades, em que o esforço e a seriedade levariam a mais prosperidade individual e coletiva. Ou seja, apesar das piores condições de vida existentes, havia percepção de perspectivas e oportunidades claras de prosperidade para a maior parte da população, cujo caminho poderia ser pavimentado sobre pilares éticos adequados à maioria. Hoje as pessoas veem como um estorvo ser brasileiro e ter nascido aqui. Acreditam que o país proporciona poucas perspectivas de melhoria de vida, independentemente do nível de esforço que despendam. Por isso, sonham com a oportunidade de emigrar para países mais desenvolvidos, em que haja maiores perspectivas de ver seus esforços recompensados. O Brasil perdeu o encanto. As pessoas não se veem mais como parte de um processo de construção coletiva.

Talvez a grande diferença decorra do fato de que na época vislumbrávamos a construção de instituições inclusivas, que fariam com que a maioria da população viesse a ser parte de um projeto coletivo de melhoria de vida. Hoje a realidade é outra. Tivemos um Estado capturado por dois grandes grupos sociais: (i) a burocracia estatal, que se apodera de parte substancial das riquezas geradas no país com muito trabalho e esforço pela maioria da população; e (ii) os corruptos que sangram o Estado e a sociedade, junto com a burocracia. Uns o fazem de forma legal, utilizando-se de privilégios adquiridos e mecanismos legalmente estabelecidos. Os outros utilizam-se de métodos ilícitos. Mas ambos saqueiam a população e retiram suas perspectivas. Por isso, começam a sonhar com a emigração.

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