Sisudez e profundidade

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 20/06/2018 03:00 Atualizado em: 20/06/2018 08:47

As fotografias surpreendem. Também uma mini-entrevista na televisão. Chocam. Mas imensamente divertem. Lá está o personagem com um semblante grave, sisudo, quase carrancudo, que não é, não pode ser, natural. Não se permite nunca um sorriso, jamais alguma expressão mais simples, mais leve, mais descontraída. Como se o universo inteiro estivesse, todo o tempo, a depender dele, a submeter a ele altas indagações, questões seriíssimas em cuja investigação gastaria ele todos os dias e todas as horas. A cara fechada, a expressão permanentemente carregada quer indicar que não há assuntos banais para o seu espírito, todo consumido pelas mais trágicas questões da existência. Tudo deve ser para ele objeto de densa inquirição. Naquelas fotografias ou naquelas pequenas entrevistas, falando ou ouvindo outrem falar, exibe sempre um ar de pesada concentração, fazendo força para pensar a angústia do mundo (pensar, com certeza,  lhe dói...). Ele não se distensiona nunca. Mantém as sobrancelhas sempre franzidas para parecer mergulhado nas mais altas elucubrações. E só fala com  gravidade e com ênfase, para dar  impressão de seriedade e profundidade. Para simular as vertiginosas cogitações em que viveria imerso, muito além dos comuns mortais. Ele é aquele que vive somente a ruminar altas perquirições.

Falso, falso, radicalmente falso. O personagem não tem a profundidade que quer transparecer nem tem mesmo profundidade alguma; seu pensamento navega no reino das superficialidades e do consabido. Pronunciando, porém, semelhantes banalidades com aquele simulacro de máxima gravidade, imagina que pode passar por profundo e ser respeitado como denso pensador. E é possível que, nisso, tenha razão, posto que o mundo acredita em tudo, e acredita sobretudo nas aparências. A pose de seriedade e de severidade pode, portanto, ter êxito.

Mas é pose de fato hilariante. Pose do falso sábio, do falso profundo, do falso pensador. Do que se pretende pensador de raça. Do que finge mas não é. Do apenas boçal. Do embusteiro. Do estelionatário intelectual. Vai-se ver, serão assim também os seus escritos: sem densidade, sem consistência, sem substância. E, para disfarçar o vazio das ideias, a forma tortuosa, a frase invertida, complicada, obscura, quanto mais rebuscada melhor. E sempre a muleta de duas ou três citações, em que se amparar (posto que não é para qualquer um pensar por conta própria). Tudo, o estilo arrevesado e a erudição das citações, novamente para ocultar a falta de conteúdo verdadeiro e para parecer elevação, agora do estilo. Para o leigo se impressionar com a dificuldade que sente na leitura, e pensar que o defeito é dele, da insuficiência do leitor, e não do pedantismo, esnobe e estéril, do autor.

A circunspecção do verdadeiro sábio é diferente. Não precisa de tamanho jogo de cena. A genuína profundidade é feita de outro material e é de outro modo que se comporta. Com muito mais simplicidade. Com a serenidade das águas tranquilas – como são os mares profundos. E com uma constante auto-ironia, a capacidade (que é o princípio da sabedoria) de ver a pequenez das coisas e, antes de tudo, a pequenez de si mesmo. Sem nada daquela fisionomia calculadamente carrancuda, de cenho cerrado e sobrancelhas franzidas, para simular concentração e profundidade.

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