A OEA, o Enfrentamento ao Racismo e a RIAFRO

Maurício Rands
(Twitter: @RandsMauricio), advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA. As opiniões são pessoais.
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Publicado em: 18/06/2018 03:00 Atualizado em: 18/06/2018 08:51

Nos dias 11 a 13 de junho realizamos em Lima, Peru, o I Encontro das Altas Autoridades sobre Política para a População Afrodescendente, organizado em conjunto pela Secretaria de Acesso a Direitos da OEA, a qual tenho a honra de coordenar e que teve em Roberto Rojas um inspirador e articulador incansável, pela Ministério da Cultura do Peru, pelo Instituto Hutchins da Universidade Harvard e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Governos, organizações internacionais,  academia e militantes da sociedade civil apresentaram diagnósticos sobre a situação dos afrodescendentes no continente. Impressionante como os indicadores de pobreza, e violência, em todos os países, são sempre mais elevados quando se faz o corte de etnia. Alvissareiro ver que os governos, pressionados pela academia, a sociedade civil e a opinião pública, têm apresentado iniciativas para reconhecer e enfrentar o problema. Desde a criação de instituições públicas de promoção da igualdade racial, passando por conferências e seminários, e chegando a adotar legislações de ações afirmativas e de criminalização do racismo.

A OEA, em sua assembleia geral de 2013, aprovou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, onde foram incorporados princípios que haviam sido elaborados há 52 anos pela Convenção Internacional para Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial das Nações Unidas. Da mesma forma, incorpora contribuições amadurecidas nas Conferências Mundiais contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância (Durban, 2001, 2009). Que consolidaram princípios para promover a plena integração dos povos afrodescendentes que foram vítimas da escravidão, um dos capítulos mais deploráveis da história humana. Reconhecimento, justiça e desenvolvimento são os eixos que vêm sendo reforçados e se devem materializar em legislações e políticas públicas. A Convenção Interamericana foi assinada por 12 estados membros da OEA. E ratificada apenas por  Uruguai, Costa Rica e Antígua e Barbudas. O Brasil assinou-a, mas não a ratificou. A OEA aprovou, na assembleia geral de 2016, o Plano de Ação para a Década dos Afrodescendentes das Américas (2016-2025), tendo como secretaria técnica a Secretaria de Acesso a Direitos. Nele os países se comprometem a adotar e fortalecer as políticas públicas, medidas administrativas, legislativas, judiciais e orçamentárias para assegurar aos povos afrodescendentes o gozo de seus direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, bem como sua participação plena e em igualdade de condições em todos os âmbitos da sociedade com o apoio da OEA. Na última assembleia geral da OEA que se acaba de realizar em Washington, foram aprovadas novas resoluções para avançar na implementação do referido Plano de Ação. Entre as quais a constituição de um fundo de contribuições voluntárias para desenvolver os programas na área.

Nesse encontro de Lima, ministros e secretários de política racial dos países do continente aprovaram a criação da RIAFRO, a Rede Interamericana de Altas Autoridades sobre Políticas para a População Afrodescendente. Essa rede tem o objetivo de dar voz e empoderar educacional, politica, social e economicamente os afrodescendentes. A RIAFRO terá um comitê de gestão, com uma presidência e duas vice-presidências. A primeira coube ao anfitrião, o Peru. A segunda, à Costa Rica, que acaba de eleger a primeira mulher negra vice-presidente do hemisfério. A terceira, caberá ao Brasil, que sediará o período de sessões em 2020.

Esses avanços ainda não impedem o racismo e a exclusão dos mais de 200 milhões de afrodescendentes das Américas e Caribe. Mas propiciam um roteiro viável para resgatar o sofrimento de tanta gente que ainda vive o drama que há dois séculos martirizava seus antepassados. Ainda atual a advertência do pernambucano Joaquim Nabuco de que não bastava derrotar a escravidão. Há que derrotar a obra da escravidão: sociedades racistas incapazes de incorporar plenamente os descendentes dos escravos que vieram à força às Américas para produzir riquezas que ainda hoje permanecem concentradas no patrimônio de tão poucos.

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