Muitos estão mortos! Esta crônica é para lembrá-los

Marly Mota
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 12/06/2018 03:00 Atualizado em: 12/06/2018 03:08

Do edifício onde moro há 32 anos no bairro de Casa Forte, situado nos limites do histórico Poço da Panela, e do muitas vezes histórico Clube do Cupim, associação em prol da Abolição da Escravatura. Na Dezessete de Agosto, muitas casas foram substituídas por prédios de apartamentos. Das poucas casas com quintais e fruteiras, da minha janela vejo meninas rodopiando em um balanço improvisado, pendente do galho de uma frondosa mangueira, de cobiçadas mangas-rosas. Adentrando à paisagem, o Rio Capibaribe faz caprichados meandros. De uma das margens, ouço gritos de gol dos meninos numa pelada, enquanto outros, com algazarra, mergulham no rio, Mais próximo da minha lembrança está a casa da Rua dos Arcos, onde morou o casal Austro Costa e sua amada Helena Lins, nossos amigos. O limoeirense Austro Costa, um dos maiores poetas da sua época, autor de vários livros de poesia, conhecido nos footing da Rua Nova. O livro, De Monóculo, foi editado no governo de Paulo Guerra, pelo chefe da Casa Civil, meu amigo e compadre Marcus Vinícios Vilaça. Lembro quando com 16 anos fui a uma festa, ao passar por alguns rapazes, um deles vacilante dissera: “Não me mates vestida de esperança!.” Só depois reconheci o arrebatamento do rapaz, inspirado no poema de Austro Costa em: “Salomé vestida de verde.”

Mais próximo de onde moro, fica o sobrado que serviu de cenário ao romancista Mário Sette, em Os Azevedos do Poço. Caminho com as personagens do livro, pelo pátio da Capela de Nossa Senhora da Saúde, onde o sino rachado bate as 12 badaladas do meio-dia. Avisto quase escondido entre arvoredos, o solar de Gilberto Freyre, hoje Fundação, que tem o seu nome. Entre dezenas de doutoramentos, por ser pintor, eu pintora, chamava-me “colega.” Do quintal de Apipucos colhia as pitangas, delas, fazia o seu famoso cognac, com certo mistério sem revelar a formula, dizia ser feito “com ingredientes quase maçonicamente secretos.” Meu pai sem mistérios fazia um delicioso licor de jenipapo

Muitas foram as casas, com quintais e fruteiras, de vários dos nossos parentes e amigos: o casal Lourdes e Lula Cardoso Ayres. Ele com seus desenhos, em 1965, ilustrou o meu primeiro livro Pátio da Matriz. Recebiam amigos daqui e de fora. Chegados do Rio de Janeiro, o casal Cila e Renato Almeida, renomado escritor e folclorista, autor de Manual de Coleta Folclórica. Com eles, fomos eu e Mauro jantar com os Cardoso Ayres. Lourdes dava brilhos à mesa do jantar, servindo o delicioso Gáteau Ste Honoré. Também convidados, nossos amigos Conceição e Clovis Paiva, conceituado oftalmologista, tão fidalgo quanto os cavalheiros, da Ilustre Casa de Ramires, do escritor Eça de Queiroz.

Em Olinda, Doralice e Manuel Gomes Maranhão, ele, com vocação de burgomestre. Eu era menina, ele, prefeito de Bom Jardim, amigo e parceiro de meu pai no jogo de gamão, no terraço da nossa casa. Manuel Gomes Maranhão, jornalista dos Diários Associados, nas frequentes vindas á Olinda, logo de chegada, passava em nossa casa à Rua Amélia, levando nossos filhos pequenos Eduardo e Sérgio, para acompanharem os amiguinhos Agamenon e Augusto, nas brincadeiras, banhos na piscina, da casa deles, naquela época raras no Recife. Outra figura festejada, Assis Chateaubriand, diretor dos Diários Associados, e Revista O Cruzeiro, antes e depois paraplégico, em cadeira de rodas, Gomes Maranhão hospedava-o na sua bela casa do Alto da Sé, em Olinda

Frequentei essas casas amigas, lembrando quando menina das velhas tias avós, mandando em todos nós, seus sobrinhos. No Apostolado da Oração, até na Igreja, quase em pé de igualdade com o vigário da paróquia. Recebiam para almoços os políticos do lugar, os vindo de fora, e familiares dos muitos engenhos de fogo morto. Mortos e inesquecíveis estão muitos dos amigos citados. Fiz esta crônica para lembrá-los!

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