Editorial Extermínio

Publicado em: 07/06/2018 03:00 Atualizado em: 07/06/2018 09:18

A violência e um sistema caótico de segurança estratificam etnicamente o país. As principais vítimas são homens e mulheres negros. Em 2016, foram registrados 62.517 homicídios, sendo que a taxa de pretos e pardos é duas vezes e meia superior à dos não negros (brancos, amarelos e indígenas) — 40,2 vítimas afrodescendentes em cada 100 mil contra 16 de outras etnias juntas. O Atlas da Violência 2018, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, mostra acentuado processo de extermínio em curso no Brasil.

Na última década, a contar de 2006, a taxa de assassinato de negros cresceu 23,1%, enquanto a de não negros declinou 6,8%. O número de mulheres pretas e pardas vítimas de homicídio aumentou 15,4% e o das não negras, caiu 8%, em igual período. Em 2016, a taxa de mortes violentas entre as negras foi 71% maior do que entre as não negras.

Na mira das armas está também a juventude brasileira, na faixa de 15 a 29 anos. Foram 33.590 homicídios, em 2016, sendo 94,6% homens — aumento de 7,4% ante 2015. Esse crescimento ocorreu em 20 das 27 unidades federadas, com destaque para Acre (+84,8%) e Amapá (41,2%). No Distrito Federal, a taxa cresceu 6%. Paraíba, Espírito Santo, Ceará e São Paulo registraram redução que variou entre 13,5% e 15,6%.

O racismo histórico, herança do século 16, e o descaso do poder público explicam a elevada mortalidade de indivíduos negros, que somam cerca de 55% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, os negros representam mais de 63% entre os mais de 13 milhões de desempregados.

A condição de pobreza é uma das sequelas de um processo histórico, respaldado na discriminação e no entendimento de que os negros são menos capazes do que não negros. O regime de cotas nas universidades passou a vigir no país, em meados dos anos 2000, por iniciativa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e, em seguida, pela Universidade de Brasília. Mas não foi um processo pacífico. O Partido Democratas (DEM) recorreu ao Supremo Tribunal Federal para acabar com o sistema. A tendência de alijar os afrodescendentes dos processos de educação e reduzir as chances de ascenção socioeconômica é persistente.

Na avaliação dos especialistas dedicados ao tema, o cenário de violência no país não deverá se reverter em pouco tempo. As limitações orçamentárias da União, acompanhadas da redução de verbas para as políticas sociais, tendem a agravar a situação. Não bastasse, dentro do Congresso Nacional, na maioria das vezes de costas aos problemas de sociedade, é sólida a bancada que defende a revogação do Estatuto de Desarmamento e liberação geral do comércio de arma e munição. Nem o quadro de guerra, que levou o governo federal a recorrer à intervenção militar no Rio de Janeiro, é capaz de demover da bancada bala a estapafúrdia pretenção a fim de favorecer a indústria bélica. Independentemente do recorte raça/cor, o Brasil é também o mais afetado pela negligência: perde a juventude para o crime ou para as bala.

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