Editorial Lição digital

Publicado em: 02/06/2018 03:00 Atualizado em: 04/06/2018 09:06

A greve dos caminhoneiros ensinou muitas lições. Todas duras e custosas. De um lado, porque acarretou prejuízos semelhantes aos de tsunamis. Provocou desabastecimento, paralisou a economia, suspendeu as aulas, impediu o direito constitucional de ir e vir. Especialistas afirmam que será fator importante para a anunciada frustração do Produto Interno Bruto (PIB).

De outro, porque deixou a sensação de negligência. O Palácio do Planalto e o Congresso Nacional receberam comunicados com as reivindicações da categoria e a ameaça de paralisação caso não fossem levadas em conta. Embora conte com serviço de inteligência apto a prever os estragos que o possível movimento paredista poderia acarretar, as autoridades ignoraram o alerta. Sem negociações preventivas, deu no que deu.

Há muito se sabe que o Brasil é refém do modal rodoviário. Com dimensões continentais, o asfalto responde por 61% do transporte de carga nacional. Apesar da desproporção, pouco ou nada se faz para diversificar as opções capazes de levar e trazer mercadorias e passageiros. A alternativa é caminhão ou caminhão. Espera-se que agora o tema figure nos programas dos candidatos de 2018 e se transforme em política de Estado, não de governo.

A tragédia que o brasileiro vive há quase duas semanas é mais uma reprise de um filme velho. A única novidade foi o papel das mídias digitais. Segundo pesquisa da TruckPad — startup que conecta caminhoneiros às transportadoras de cargas — 60% dos profissionais souberam das paralisações por meio de WhatsApp ou Facebook. Smartphones e aplicativos de mensagens tomaram o lugar das assembleias da categoria ou da tradicional organização por sindicatos de trabalhadores.

Os números não deixam dúvida de que o admirável mundo novo não constitui visão do futuro, mas realidade presente. Apenas 1,52% dos caminhoneiros tomou conhecimento da greve por meio do sindicato ou associação de classe a que pertence. A maior parte — 60% — soube pelas redes sociais. De acordo com o estudo da TruckPad, 71,2% dos motoristas não estavam parados nas estradas, mas em casa, acompanhando a evolução do movimento pela internet e se comunicando pelas mídias sociais.

Trata-se de mudança de paradigma. A guinada, com certeza, não se restringe ao setor de transporte de carga. Negociar, doravante, exige mudança. O governo precisa usar o canal certo para se comunicar com os interlocutores certos. A paralisação dos caminhoneiros ensina que no século 21 a verticalização envelheceu. Os trabalhadores não se sentem representados pelos dirigentes sindicais. Na era da horizontalização, improvisam-se líderes. Há que conhecer a linguagem dos novos tempos para firmar acordos. Sem falar a mesma língua, trava-se diálogo de mudos.

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