Narrativas sobre o movimento dos caminhoneiros

Maurício Rands
Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA.
As opiniões são pessoais e não representam as da OEA.

Publicado em: 28/05/2018 09:00 Atualizado em:

O movimento dos caminhoneiros teve muito apoio da população. Estudos como os da Torabit (uma plataforma de monitoramento digital) detectaram apoio da maioria dos internautas. Nos dias 24 e 25 de maio, 52,2% das menções sobre a greve dos caminhoneiros foram positivas em relação ao movimento, sendo 37,8% neutras e apenas 10% negativas. Em relação aos condutores autônomos, trata-se de greve. Em relação às empresas de transportes que participaram da paralisação e apoiaram sua logística e comunicação, locaute. Que é ilícito no Brasil. Estima-se que 70% dos caminhões pertencem a empresas subcontratadas e grandes transportadoras. Resta ver como ficou o humor da população depois da continuação do movimento mesmo com as concessões do governo no acordo da quinta-feira, dia 24. E depois dos 37 inquéritos da polícia federal, da decisão do STF que autorizou as operações de garantia da lei e da ordem, inclusive com prisões de empresários das transportadoras e desobstrução das vias públicas que até o sábado à noite ainda tinham 586 pontos de bloqueio.

O movimento trouxe desabastecimento e sofrimento. De pessoas sem combustível e acesso aos bens essenciais. E até dos animais se canibalizando sem ração. Mas por que esse apoio mesmo com tantos incômodos? A resposta pode conter analogia ao apoio da população ao movimento dos estudantes de julho de 2013. Aquele foi deflagrado contra o aumento das passagens dos ônibus urbanos. Mas logo se estendeu para se tornar um protesto contra a má qualidade dos serviços públicos. O de maio de 2018 começou com o protesto dos caminhoneiros autônomos e das empresas de transporte contra o custo dos fretes, elevado pela política de atrelamento do preço dos combustíveis fósseis aos preços internacionais. O encarecimento do dólar e do petróleo fez subir o preço dos combustíveis. O cidadão irritado por ter que pagar mais na bomba de gasolina logo compreendeu o drama dos caminhoneiros com a subida do diesel. É sabido que a melhor política de preços de combustíveis é a que os atrela aos preços internacionais. Mas isso tem que ser acompanhado por uma política contracíclica. Um mecanismo que reduza os tributos sobre combustíveis quando os preços aumentem. Nenhum dos nossos governos lembrou-se de algo tão óbvio. Dilma perdeu tempo com o populismo do congelamento artificial. Que, junto com a corrupção, enfraqueceu a Petrobrás e detonou o setor sucroenergético. E que, na primeira esquina, fez voltar os preços altos. Também é responsabilidade de todos os governos a excessiva dependência ao combustível fóssil. Assim como a concentração de nossa matriz no transporte rodoviário. O trágico em tantos erros, de todos os governos recentes, é ver uns e outros apontando-se reciprocamente os dedos acusatórios. Se não se reconhecem os erros, como corrigi-los? Não menos trágico é o debate sobre o que fazer doravante. Em primeiro lugar, a incapacidade nacional para um debate informado, sereno e construtivo. Se todos erraram, não terá chegado a hora de tentar um mínimo de consenso quanto ao que fazer daqui para a frente? Utópico, dirão alguns dos que só pensam em eleições. Inadiável, pensará o cidadão informado que deseja soluções. Questões como política de preços de combustíveis, modais de transportes, ou matriz energética, poderiam ser temas para concertação. Que tal combiná-las com um debate racional sobre como reduzir os custos do estado que sobrecarrega o cidadão que trabalha? O país pode continuar com tributos escandinavos, máquina pública cara, ineficiente e apropriada por poucos? E retornando serviços de tão má qualidade?

Num ambiente desses, a sensação de desamparo é generalizada em todos os extratos sociais. Não surpreendem as interpretações superficiais para um movimento de causas tão complexas. Mas preocupa que os argumentos interessados possam estar favorecendo dois apelos que não nos levariam a bom porto. De um lado, o apelo à força e à ordem. Para esses, bastaria a ordem para gerar o progresso, como propõe Bolsonaro. Apesar de desmentido pelo acontecido em Cuba e nas ditaduras da América Latina nos anos 70-80. De outro lado, o apelo ao populismo tarifário que vende a falsa ideia de que os preços dos combustíveis podem ser reduzidos pela canetada de um governante bonzinho ou elevados pela de um governante malvado.

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