O STF e o foro privilegiado

Moacir Veloso
Advogado

Publicado em: 18/05/2018 03:00 Atualizado em:

Em decisão unânime, em 03/05/2018, o STF materializou o primeiro passo para a erradicação definitiva desse absurdo privilégio conferido, por alguma razão que a própria razão desconhece, a mais de 50.000 brasileiros, de ministros de Estado e governadores, até prefeitos: o malsinado foro privilegiado. A Suprema Corte concluiu que os parlamentares só serão julgados no STF, em caso de crimes cometidos no exercício do mandato ou em razão dele. Contudo, restaram divergências entre os ministros quanto ao limite da restrição. Antes disso, o foro por prerrogativa de função facultava aos congressistas responderem a ações penais somente no STF, seja qual fosse o ilícito penal cometido.  Na prática, esse benefício anômalo resultava num acúmulo de processos que congestionavam o já assoberbado STF, restando em sua maioria prescritos e impunes. Doravante, senadores e deputados acusados de crimes comuns, tais como um conflito doméstico, passarão a ser julgados no juízo de primeiro grau. Porém, restou uma perigosa lacuna; a decisão não fixou um critério objetivo para definir se a infração penal tem ou não vínculo com o exercício da atividade parlamentar. Tal interpretação ficará a cargo dos juízes e tribunais que lidarem com os casos concretos, fato jurisdicional que poderá criar sérias divergências. Por amostragem, a histórica e polêmica decisão do STF deixa em aberto o destino das ações penais de mais de 100 políticos envolvidos na Operação-Lava-Jato. Como exemplo vejamos a seguinte hipótese: um parlamentar, em busca de obter recursos para financiamento da campanha da sua reeleição, acaba por aceitar propina de alguma empresa, com o compromisso de, caso eleito, favorecê-la de alguma forma. Ocorre que essa contrapartida não é necessariamente especificada. Todos sabem que ela existe, representará um ato de corrupção, mas aleatório. Mas surge a indagação: o suposto ato de corrupção tem de fato relação com o mandato parlamentar? É claro que sim, pois na feroz competição para reeleger-se, nenhum candidato recebe recursos tipo caixa dois, sem firmar compromissos futuros. O mesmo ocorre com os corruptores, cobras criadas, que não costumam jogar dinheiro fora. Estima-se que nessas situações, o STF vai analisar caso a caso. Ao que tudo indica, o debate sobre as novas restrições ao foro especial vai protrair-se no tempo. O Ministro Dias Toffoli em reunião da 2ª Turma do STF, na semana passada, encaminhou ofício à Presidente, ministra Cármem Lúcia. O documento de oito páginas contém duas propostas de súmulas vinculantes à decisão da Corte que restringiu o foro especial somente a senadores e deputados federais. Na primeira refere: A competência por prerrogativa de foro, prevista na Constituição Federal para agentes públicos dos três Poderes e do MP, compreende exclusivamente os crimes praticados no exercício e em razão do cargo ou da função pública. A segunda refere-se à extensão da primeira às Constituições Estaduais e à Lei Orgânica do Distrito Federal. Na minha opinião, estamos apenas no início do fim do instituto teratológico que atende pelo epíteto de foro privilegiado. Há um longo caminho a percorrer, até o dia em que um meirinho de primeira instancia adentrar em algum dos ministérios esplanada para intimar um Ministro da República, Afinal, não somos todos iguais perante a lei?

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