Municipalismo em Porto Rico

Maurício Rands
Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA.
As opiniões são pessoais e não representam as da OEA.

Publicado em: 14/05/2018 09:00 Atualizado em:

Escrevo desde Porto Rico, onde vim representar a OEA junto com minha colega Betilde Muñoz-Pogossian na Conferência Internacional do Municipalismo ‘Experiencia Puerto Rico 2018’, em Ponce e Guayanilla. Presença de centenas de prefeitos, legisladores, autoridades e estudiosos dos temas ligados ao municipalismo. Intensos debates sobre as respostas ao Furacão Maria que, em setembro de 2017, devastou as 75 cidades de Porto Rico. Todos realçando a importância do papel dos municípios para a solução dos problemas da população. Como pontuaram o presidente da Associação das Indústrias de Porto Rico, Rodrígo Masses, e o diretor executivo do evento, Mickey Espada, os prefeitos e prefeitas foram os grandes heróis no esforço de enfrentamento e recuperação que ainda está em curso. Ouvimos depoimentos emocionantes sobre o sofrimento e a resiliência de muitas pessoas que se envolveram voluntariamente nas ações de mitigação de uma emergência humanitária que deixou centenas de milhares de pessoas sem casa, comida, medicamentos e energia. Várias lições foram salientadas durante o seminário. O pouco envolvimento do governo central americano. A burocracia de agências de apoio em emergência como a FEMA, o engajamento das prefeituras e do terceiro setor. A grande capacidade dos porto-riquenhos de se autoajudarem por sobre as diferenças de opiniões políticas. A percepção generalizada da força dos mecanismos de democracia participativa para a superação dos desastres. O desafio de reconstruir Porto Rico corrigindo os erros que o tornaram tão vulnerável diante do maior desastre natural até hoje registrado na ilha. A necessidade de um modelo de desenvolvimento sustentável e de revisão da matriz energética. Em minha conferência realcei os marcos teóricos da democracia participativa e algumas teorias democráticas recentes como a da democracia deliberativa proposta pelo professor James Skinfish, da Universidade de Stanford.  Pude relacioná-los com a experiência municipalista, onde a participação das pessoas pode ser mais viável e concreta. Testemunhei a curiosidade sobre o municipalismo brasileiro quando realcei algumas das conquistas das associações municipalistas dos nossos estados, bem como da Confederação Brasileira dos Municípios e da Frente Nacional dos Prefeitos com suas marchas e conferências que já foram capazes de incluir as demandas municipalistas na pauta dos governos e do Congresso Nacional. Nos debates refletimos sobre as experiências de países que estiverem presentes no evento, como República Dominicana, Bolívia, México, Colômbia, Estados Unidos, Guatemala e outros.

Porto Rico ocupa posição ‘sui geners’ no federalismo americano. Desde o Acordo de 1952 integra a federação americana na condição de Protetorado (‘Commonwealth’) ou de ‘estado livre associado’. Submete-se à legislação federal aprovada pelo Congresso Americano, embora seu único representante na Câmara (‘comissário’) não tenha direito a voto. Isso gera problemas e vantagens. Entre os primeiros, a carestia decorrente da proibição do comércio pela navegação de cabotagem (‘Jones Act’, 1920). As mercadorias vindas de outros países têm que desembarcar nos portos americanos para, em seguida, serem reembarcadas para Porto Rico. Por isso, 90% dos alimentos consumidos na ilha, que são importados, são muito caros. Entre as vantagens, a possibilidade de qualquer porto-riquenho mudar-se para os EUA. Já são mais de 5 milhões os que vivem nos EUA, suplantando os 3 milhões que vivem na ilha. Sonho de milhões de haitianos, salvadorenhos, guatemaltecos, hondurenhos e outros. Chama a atenção o brio nacional dos porto-riquenhos, orgulhosos de sua cultura e jeito de ser. Vi muitas bandeiras de Porto Rico nas ruas. Vi também a alma latina que se aproxima da brasileira, com pessoas que gostam de receber e conversar com os estrangeiros. A salsa, o merengue, o patrimônio da San Juan antiga e suas ruas restauradas e organizadas. Tudo isso fez com que Patrícia e eu voltássemos enamorados de Porto Rico. Talvez também por isso o envolvimento municipalista e comunitário para enfrentar o desastre do furacão Maria tenha sido tão bem-sucedido.

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