A revelação de um escritor múltiplo

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 14/05/2018 09:00 Atualizado em:

Nem tudo cabe na paisagem, de Amâncio Siqueira, é um livro de contos com pretensão a romance – ou história longa – com alguma coisa de ensaio. Assim, lemos logo no início:

“Escrever para imortalizar-se é um fenômeno recente. A princípio, não havia uma autoria individual, Vários autores davam sua contribuição par imortalizar algo que transcendia a si mesmos. Assim nasceram livros sagrados, desde a Ilíada até As Mil e uma Noites. Imbuído desse mesmo sentimento, procuro com este estudo imortalizar a busca do meu amigo Socó Pombo pelo seu livro sagrado.”

Somente no segundo parágrafo, o narrador faz aparecer o seu protagonista com hábitos e costumes estranhos, o suficiente, porém, para atrair a atenção do leitor, ainda  torpedeado pelo ensaismo do primeiro. Do ponto de vista ficcional, a narrativa começa aí.

Neste sentido, a ficção começa aí, considerando aí a narrativa tradicional. De certa forma, e em certo sentido, lembra a técnica de Milan Kundera, para citar um autor recente, e de Thomas Mann, o gênio da literatura alemã no século 20.

É claro que não estou comparando, mas apenas fazendo alusão a dois escritores que usam a técnica do ensaio para seduzir o leitor. Amâncio Siqueira é vencedor do Prêmio Cepe de Literatura, que já se constitui hoje num momento maior das letras brasileiras. De forma que vale, por si só, numa consagração.

Amâncio venceu o prêmio ao lado de Ezter Liu com  seu Das Tripas Coração, um livro de contos cheio de recursos, entre eles a ausência de vírgulas, o que marca sua obra, definitivamente. Aliás, este prêmio tem revelado ótimos autores, entre eles Rômulo Melo. Os dois recentes, que examino aqui, honram qualquer grande literatura. Sem dúvida.

No livro, Amâncio ironiza o ensaismo pomposo e grandiloquente, metido a erudito, desses sabedores de tudo. Muito próximo daquele outro livro famoso do russo Godjef chamado apenas “De tudo e de todas as coisas”. Não duvidem que Amâncio se aproxima muito do filósofo oriental.

Apesar de tudo, é claro que Socó Pombo é um bom personagem que representa esta irônica área do saber oriental. No fim, Amâncio procura jogar todos nós neste saco de gatos, embora agora ele mesmo seja um neste mesmo contexto.

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