Editorial Foro privilegiado: passo inicial

Publicado em: 05/05/2018 03:00 Atualizado em: 07/05/2018 10:31

“Toda grande marcha começa com o primeiro passo”, dizem os chineses do alto dos seus milênios de caminhada. A frase é lembrada a propósito da decisão do Supremo Tribunal Federal que restringiu a abrangência do foro privilegiado. Segundo entendimento do colegiado, congressistas só serão processados pela mais elevada corte do país por crimes relacionados ao mandato durante o exercício do cargo. Crimes de outra natureza seguirão para a 1ª instância.

Trata-se, sem dúvida, de sentença histórica, que vem ao encontro das expectativas da sociedade. O brasileiro dá demonstrações de crescente intolerância com a impunidade dos representantes ungidos pelas urnas ou por empregos no alto escalão. Estão certos. Estudo da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas revelou números gritantes sobre a impunidade de ricos e poderosos beneficiados pelo guarda-chuva do tratamento nada republicano.

O levantamento mostra que falta ao STF a eficácia no trato de ações penais. Entre elas, sobressaem as relacionadas à corrupção. As cifras falam por si: nada mais que 5% dos processos são julgados em tempo hábil. O resultado é de todos conhecido: prescrição e consequente impunidade. Não só. Apenas 0,61%dos réus recebem a condenação definitiva. Não é outra a razão por que tantos sonham o sonho dos sonhos — fugir de Moros e Bretas e abrigar-se sob o pesado e lento manto do STF.

A aplicação da regra inovadora suscita dúvidas. Entre elas, a definição do tipo de ato que tem efetivamente ligação com a atividade parlamentar. É importante que as questões sejam esclarecidas para que essa seja uma etapa vencida e se parta para as próximas. Assim como o foro especial é inaceitável para deputados e senadores, também o é para as mais de 50 mil autoridades que se beneficiam do privilégio de não serem alcançados pela lei à qual se submete a maioria da população.

Com a exposição das vísceras putrefatas e malcheirosas do mensalão e da Lava-Jato, ficou clara a necessidade de as instituições se modernizarem, se tornarem mais abertas e sujeitas às regras republicanas. As benesses imperiais pertencem ao passado e devem fazer parte da história que não dialoga com o contemporâneo. O Brasil tem de fazer a leitura correta do tempo.

No século 21, com a população conectada com os acontecimentos, nada mais extemporâneo do que ser mais igual perante a lei. O primeiro passo dado pelo Supremo na quinta-feira precisa prosseguir. Longa marcha o aguarda. O destino não pode ser outro senão este — o fim do foro privilegiado. E, com ele, dos demais privilégios que dividem os brasileiros em cidadãos de primeira classe e de segunda classe.

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