Presunção de culpa

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 25/04/2018 03:00 Atualizado em: 25/04/2018 08:17

Ninguém contesta que a presunção de inocência é uma garantia fundamental. Toda pessoa deve ser presumida inocente – até prova em contrário. Deve ter direito à ampla defesa, ao contraditório, a ser, em princípio, considerada inocente. Mas, tendo sido denunciada e processada e contra ela sendo proferida uma sentença condenatória, o que passa a haver, de fato, é uma presunção de culpa. Não é um vizinho, ou algum inimigo, que a declara culpada, mas um juiz, isto é, um órgão oficial do Estado, de fato o próprio Estado julgador – que deve ser neutro, isento, imparcial, etc. Como se pode pretender falar ainda, nessa situação, de “presunção de inocência”?

Para aquele que recebe uma sentença condenatória de autoridade pública relevante e oficial, como é o juiz, a presunção deixa de ser de inocência para ser de culpa. Basta a condenação por um juiz singular, quanto mais ainda, por um tribunal de apelação, por um colegiado, por uma segunda instância. O que paira sobre o réu, então, é fortíssima presunção de culpa, jamais de inocência. É absurdo falar de “presunção de inocência” para um indivíduo qualquer nessa situação. Claro que não é uma presunção absoluta, mas apenas relativa, podendo vir a não se confirmar, se a segunda instância, um tribunal, também órgão oficial do Estado-juiz, a inocentar. Mas é uma forte presunção de culpa, que se torna muitíssimo maior ainda, muito mais robusta, se a segunda instância ratificar a condenação. Pretender continuar havendo aí uma presunção de inocência isso só interessa ao culpado, não interessa à sociedade. Interessa à impunidade. À sociedade, ao bem comum, não interessa que condenados, não só por um juiz singular mas por um colegiado de segunda instância, continuem impávidos na vida pública. Interessa que esses culpados se afastem da vida pública, não continuem a sujá-la com seus crimes e com sua impunidade.

Fazer depender da coisa julgada a presunção de inocência somente favorece a impetração de infinitos recursos protelatórios, com o objetivo óbvio (muitíssimas vezes alcançado) de conseguir a prescrição. Somente favorece, portanto, aqueles ricos e poderosos que têm condições de pagar caríssimos advogados para inventar esses recursos e adiar a decisão definitiva. Pauta reacionária e dos ricos, não dos pequeninos. Favorecimento só dos já muito privilegiados. Agravamento da iníqua desigualdade social que denigre o Brasil.

É verdade que a Constituição diz literalmente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa norma (que não constava das Constituições anteriores) terá sido incluída em 1988 provavelmente como reação aos excessos do regime militar, de que o Brasil acabava de se livrar, conforme explicou, outro dia, um homem público exemplar, Pedro Simon. Hoje, mais assentadas as coisas, pode-se ver que é um absoluto exagero. E há é que louvar o STF por ter forçado a boa interpretação – deixando de lado a leitura literal. Tantas vezes já fez isso sem boa razão (por exemplo: no caso das cotas, quando decidiu contra expressa disposição constitucional) que, quando o faz para restaurar a melhor regra de direito, adotando uma interpretação sistêmica, temos é que aplaudi-lo.

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