Partido político no Brasil

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ.

Publicado em: 21/04/2018 03:00 Atualizado em:

Hans Kelsen disse certa vez que “é ilusão ou hipocrisia sustentar que a democracia é possível sem partidos políticos”. E acrescentou: “A democracia é necessária e inevitavelmente um Estado de Partidos”. No seu pensamento está implícita a ideia do pluralismo democrático representativo, principalmente em sociedades cada vez mais complexas. Tome-se partido como sinônimo de organização, ideologia e programa. É visão natural de quem viveu em ambiente cultural com instituições democráticas e consolidadas. Ou seja, partido com o propósito de efetivamente representar a vontade popular, com vistas à formação, planejamento e implementação de políticas públicas. É entendimento com o qual concordo. Mas não se coaduna com o de outros pensadores, como o de Max Weber (1864-1920), que vê a agremiação partidária como mero instrumento de interesse, o que levou Julien Freund (1921-1993) a lhe proferir dura crítica (Cf. A Sociologia de Max Weber). A dizer que o entendimento de Weber é disfuncional, na medida em que considera essas organizações apenas como meio de proporcionar aos seus dirigentes o poderio no seio do Estado e aos seus militantes oportunidades ideais e materiais de realizarem objetivos preciosos ou obterem vantagens pessoais. No Brasil, conquanto desde o início da República tenha se formado o consenso sobre a importância de eleições como peça fundamental da organização política e consolidação da democracia, paradoxalmente, na sua grande maioria, os partidos políticos continuam sendo conduzidos dentro de um sistema inteiramente cartorial. Eleições acabam se tornando um confronto entre pessoas e não de ideias. Os programas partidários não passam de letras mortas. E, no mais das vezes, os nossos graves problemas sociais e econômicos, cujas soluções são apresentadas no curso do processo eleitoral, acabam esquecidas no dia seguinte à vitória. Raros são aqueles que perseveram nos compromissos assumidos. Dentre tantas razões para explicar essa situação partidária nacional, penso que uma cabe maior destaque: a formação dos partidos dentro de uma visão patrimonialista de sociedade, em que os ocupantes de posições públicas de relevância jamais fizeram a necessária e fundamental distinção entre os domínios do privado e do público. Ou seja, a gestão política acaba por se transformar em assunto de interesse particular. A começar pela escolha de auxiliares, quando reiteradamente prevalece a confiança de quem indica do que a capacidade profissional e moral dos que devem ocupar os cargos e as funções, como bem assinalou Raymundo Faoro (1925-2003) em Os Donos do Poder. Recente registro da mídia nacional demonstra como essa situação ainda está longe de ter um fim. Isso porque, acaba de ser encerrada (6-4-2018) a temporada de troca de partido. Foram milharem de políticos que mudaram de agremiação. Em muitos casos em total contradição entre a ideologia e o programa do partido de saída e do de chegada. Na Câmara dos Deputados 80 parlamentares passaram de legenda, o equivalente a 16% do total de 513. Como registrou a imprensa, nenhum caso teve motivação ideológica, mas tudo a ver com a disputa pelos recursos disponíveis para financiamento das campanhas. Particularmente o jornal Folha de São Paulo (10-4-2018) disse que “O fisiologismo desavergonhado, a permissividade da legislação e a pulverização do poder no Parlamento terão consequências para o atual e o governo que vier a sucedê-lo”. Esse quadro, que nos envergonha enquanto nação mostra o quanto precisa mudar em termos de organização partidária o país que possui o quarto maior eleitorado do planeta, perdendo apenas para Índia, Estados Unidos e Indonésia.

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