Sombra prolongada

Aluísio Xavier
Advogado e ex-presidente da OAB/PE

Publicado em: 19/04/2018 03:00 Atualizado em: 19/04/2018 08:52

Ralph Waldo Emerson (1803-1882), escritor, ensaísta, poeta e filósofo norte-americano, fez seus estudos na mais que tricentenária Universidade de Harvard. É autor de dezenas de frases, decorrentes de seu apurado espírito, que conduzem a importantes reflexões sobre a vida. Dentre elas, existe uma que me parece não comportar qualquer contestação: “Toda instituição é a sombra prolongada de um homem”; por óbvio, ou de uma mulher; também por óbvio, sombra de virtude ou de fraqueza.

No dia 22.03.2018, o Supremo Tribunal Federal julgava um habeas corpus, cujo paciente era o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Após longas discussões sobre o cabimento da medida, no final admitido, houve uma solicitação de adiamento do julgamento por parte do ministro Marco Aurélio, em razão de ter voo, já com check-in efetivado, previsto para as 19h40 da mesma quinta-feira, a fim de cumprir compromisso por ele assumido, sem qualquer relação com a magistratura ou o magistério, única acumulação autorizada constitucionalmente para os membros do Poder Judiciário. Mencionado compromisso era o de proferir uma palestra no 15º Colóquio da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, nada que justificasse a sua ausência do plenário ou o adiamento da sessão, mas devo confessar que a sua postura não me surpreendeu.

Surpreso fiquei com o posicionamento da ministra Cármen Lúcia, porque entendo ter ficado aquém dos deveres que o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal me parece lhe impor, não tendo ela sequer lembrado ao ministro retirante o disposto no artigo 35, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que estabelece constituir dever do magistrado o de “comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término”, além do artigo 79 do mesmo diploma legal, segundo o qual o juiz, no ato da posse, “prestará o compromisso de desempenhar com retidão as funções do cargo, cumprindo a Constituição e as leis”; e também o artigo 21, caput, do Código de Ética da Magistratura, editado pelo Conselho Nacional de Justiça, do teor seguinte: “O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente”. Acredito que, frente a tão indiscutíveis normas, o ministro desistiria do seu intento, mas, se assim não o fizesse, cumpriria à presidente, posterior e serenamente, adotar as providências cabíveis, face a tão inquestionável descumprimento de obrigação legal.

Obtive as informações constantes deste artigo através dos meios de comunicação, pois, já há algum tempo, não assisto as sessões do STF, por três principais razões: (i) votos desnecessariamente longos e enfadonhos; (ii) manifestações extratexto que transmitem a impressão de uma certa opacidade jurídica; (iii) pugilato verbal juvenil ultrapassado, sem qualquer importância para o julgamento das questões.

Sem dúvida que o Supremo Tribunal Federal, adiando o julgamento, saiu menor do episódio de 22.03.2018, ele que já passa por uma grave crise de credibilidade perante a sociedade brasileira. A sombra que afinal prevaleceu, naquela data, foi a do ministro Marco Aurélio; e não foi de virtude.

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