Nenhuma a menos

Simone Santana
Deputada estadual e presidente da Comissão de Defesa e Direitos da Mulher na Alepe.

Publicado em: 19/04/2018 03:00 Atualizado em: 19/04/2018 08:52

Há no país uma quantidade inaceitável de assassinatos. Nesse universo, uma categoria de crimes exige análise à parte. Trata-se do Feminicídio, quando as vítimas são escolhidas por uma única contingência: o gênero feminino. A tipificação criminal é datada de 2015, e o termo, aos poucos ganha espaço em nossa linguagem cotidiana. Sinal de visibilidade. Neste sentido, a população pernambucana dá sinais de que o tempo em que escondíamos nossas cicatrizes nas sombras dos canaviais está mais perto do fim. As mulheres estão cada vez mais organizadas. Suas vozes ecoam pelas ruas e elas dizem: “estamos juntas. Por nós, pelas outras e por mim”.

E foi para dar ressonância a essas vozes que Pernambuco instituiu o 5 de abril como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, por meio de PL de nossa autoria, aprovado por unanimidade em plenário e sancionada pelo governador Paulo Câmara. É uma data simbólica, criada para jogar luz sobre a consequência mais extrema de um comportamento que está enraizado em nossa cultura: o machismo.

Para marcar oficialmente a data, pela primeira vez, com debate, articulação e reflexões, a Alepe promoveu audiência pública sobre o assassinato de mulheres por motivação de gênero. Os casos carregam consigo, quase sempre, a previsibilidade. É a etapa final de uma série de ameaças, agressões verbais ou físicas. Uma grande maioria ocorre no ambiente doméstico e alguns ganham os noticiários, mobilizando a sociedade. Mas, aqueles que acontecem nas periferias, atingindo mulheres pobres e negras, ficam esquecidos sem que haja sequer inquérito policial para investigação do crime e punição do assassino. O Brasil registra uma média de doze assassinatos de mulheres por dia (Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2017) e a cadeia de eventos que leva ao Feminicídio ainda atua no subsolo, como um esgoto. Sentimos seu cheiro, mas apenas quem se arrisca a olhar sob a superfície consegue enxergá-lo. E ao abrir os olhos para as causas do Feminicídio, temos a missão cívica, pedagógica e humana de não calar.  

Nessa audiência pública na Alepe, contamos com a presença de famílias que vivem a dor de terem o drama do Feminicidio em suas vidas, como Dona Suely de Araújo, mãe de Mirella Sena, assassinada em 5 de abril de 2017, representando a dor sentida por tantas outras. Ela emocionou ao lembrar: “Saber que a morte de nossa filha entrou para uma dura estatística que assola o país é muito triste. É doloroso. Quando uma mulher é assassinada, todas nós, mulheres, morremos também. Seja por questões públicas, políticas, por relacionamentos abusivos, por gênero. Enfim, mata-se a avó, mata-se a mãe, mata-se a filha, mata-se a amiga, mata-se a militante social, mata-se a negra, a branca, o pobre. Mata-se a luz. Morremos todas, todos os dias. É inadmissível que, em pleno século XXI, a gente ainda continue a ser um país machista em que as mulheres são agredidas das mais cruéis formas”.

Reconhecemos a contribuição da Secretaria Estadual de Saúde e a Polícia Científica que, neste encontro, apresentaram um balanço de seus protocolos de investigação dos casos de Feminicídio, estudos já sob análise da ONU Mulher. Foram essas as primeiras instituições pernambucanas a finalizarem os documentos desde que Pernambuco aderiu ao Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero, em setembro de 2017. Sem dúvida uma iniciativa que em muito nos ajudará a combater o Feminício. Mas sabemos ter ainda muito chão pela frente. Lamentamos que mesmo os casos mais emblemáticos de Feminicídio ainda avancem a passos lentos para serem reconhecidos por sua motivação de gênero e julgados como tal. São muitas Mirellas Sena; Elianes Marias da Costa; Aldenices da Hora; Giselys dos Santos e Marias Alices Seabra. Todas vivem. Nós estamos aqui por elas. Estamos aqui umas pelas outras. E nenhuma a menos.  

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.