História das cheias em Pernambuco (parte 1)

Luiz Ernesto Mellet
Gestor governamental da Secretaria de Planejamento de Pernambuco

Publicado em: 11/04/2018 03:00 Atualizado em: 11/04/2018 10:03

Doutor não foi brincadeira / na correnteza das águas/descia a família inteira / quase não sobra vivente/para contar a história (...) / Descia gado e cavalo / pato, peru e galinha / cabrito, porco e carneiro / tudo o que o povo tinha / os açudes não podiam / tantas águas suportar / rio, riacho e lagoa / tudo junto num só mar (...)    Os versos de Severino Ramos imortalizado na voz de Luiz Gonzaga, o rei do Baião, retratam os estragos provocados pela inundação de 1924, a mais pavorosa segundo a história. O fato é que o nordestino já se acostumou às cheias. E nesse particular, o pernambucano parece ser o mais resignado. O primeiro registro de enchentes no estado remonta o transbordamento do Rio Capibaribe, em 1632. De modo que, da primeira do século 17 até os nossos dias, Pernambuco sofreu pelo menos vinte graves ocorrências que deram fim a um número incontável de vidas.

Não resta dúvida de que entre as forças que regem a natureza, as enchentes bruscas são os eventos extremos que mais ferem e matam em Pernambuco. Não há um morador nas cidades ribeirinhas – sobretudo na Zona da Mata e do litoral – que não tenha um caso para contar envolvendo cheias. Seja vivido por ele próprio ou que tenha ouvido de algum conhecido. Porém, todos esses episódios trazem no seu bojo algo em comum. Em geral, são narrativas tristes.

De acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, de 1991 a 2010 um em cada quatro moradores no estado foi direta ou indiretamente afetado pelo menos por um alagamento. O maior número de ocorrências se deu de abril a julho, sendo junho o mês mais crítico devido as fortes precipitações que tencionam as bacias dos rios, fazendo transbordar água das margens.

Mas o flagelo das cheias vem de muito tempo atrás. Tanto que a primeira engenharia de contenção foi feita na época dos holandeses. Em 1638, Maurício de Nassau mandou construir aquela que seria a primeira barragem no leito do Rio Capibaribe para proteger o Recife das enchentes: foi o dique de Afogados, com mais de dois quilômetros, onde hoje fica a Rua Imperial, no Centro da cidade. Tudo leva a crer que tenha sido a primeira barragem construída em território brasileiro.

Enchentes de proporções catastróficas atingem sobremaneira a Zona da Mata e a capital. Isso ocorre porque a região apresenta o entrelaçamento de rios e riachos que escoam as águas do interior para o litoral. E a situação se agrava com a teimosia do povo em erguer barracos sustentados por palafitas nas margens. Foi essa a causa da morte de 175 pessoas no Recife na cheia de 1966, quando as ondas do Capibaribe e do Beberibe varreram cerca de dez mil mocambos erguidos nas beiradas.

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