Debate no centro cultural revela Quebranto de André Balaio

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 26/03/2018 03:00 Atualizado em: 26/03/2018 09:19

Uma oficina literária – ou de escrita criativa – se realiza em dois campos: a – o campo da linguagem e  2 – o campo da técnica. Se for só no primeiro campo,  será uma oficina de linguagem, o que não é pouco. O campo da técnica exige conhecimento e prática. Isso significa que o orientador deve ser  alguém que pratica a literatura exaustivamente; alguém que tenha uma grande experiência da feitura literária, da realização de textos – conto, novela e romance, na prosa; - soneto, ode, balada, epopeia; na poesia; drama, comédia, tragédia, no teatro; cada um no seu campo ou atividade.

Tudo isso envolve, sobretudo, experiência diária, busca incessante. Não basta conhecer. É preciso praticar. E praticar com êxito, o que significa dizer, com qualidade. Errando e acertando. Sempre. Procurando suas técnicas, inventando, buscando. Estudando os grandes, os clássicos. Sempre com grande humildade. Sobretudo isto: humildade. É a humildade que ajuda a inventar. A encontrar as luzes. A definir situações para não cair no lugar comum. O óbvio.

É preciso enfrentar a fera. Todas as feras. Ou esta fera absoluta: A criação. Repetir os outros, ainda que sejam gênios, nunca. Nem lugar comum nem genialidade. Criar, inventar. Sempre. Tenho estudado Dom Casmurro todos os dias. Chego a decorar trechos inteiros. E todos os dias fico encantado com o Velho Bruxo. Dom Casmurro é, possivelmente, o romance mais sofisticado do Ocidente, ombreando com Flaubert, Faulkner e Joyce. Começa que o título é uma digressão. O romance não é, em absoluto, sobre Dom Casmurro. E o leitor cai na esparrela de acreditar que é por causa da habilidade técnica do autor, através do narrador. Mas ele completa a sedução – esta é a palavra-chave – na primeira página do livro, explicando porque seu nome é Dom Casmurro. Equívoco desfeito no capítulo 3 quando muda de nome e leitor não percebe, novamente. Até aí ele é narrador e personagem. Mas diz, claramente, no início do capítulo: Ia a entrar casa quando ouvi meu nome. O personagem José Dias está dizendo: “Dona Glória, a senhora persiste com a ideia de colocar Bentinho no seminário? Agora Dom Casmurro não é Dom  Casmurro, é Bentinho. Extrema habilidade técnica, campo aberto para a psiquiatria. Dom Casmurro só voltará no capítulo 145. Um detalhe técnico absolutamente genial. O  romance conta a história de Bentinho. Então se pode dizer, Bentinho é o mesmo Dom Casmurro.

Pois bem, com esta sensação de permanente criatividade é que convidei André Balaio para debate no Centro Cultural, onde estivemos quinta-feira passada em companhia de Paulo Caldas, sem esquecer o nosso sempre criador Sidney Rocha, autor de obra já consistente. Ambos se distinguem pelo ótimo nível de criação. Foi um senhor debate. Quebranto revela-se um livro forte, com habilidade do uso do tempo verbal no conto Olho azul, quando o narrador alterna  o imperfeito e o presente do indicativo no final do conto.

Para usar esta técnica é preciso muita habilidade. Num passo de mágica é possível seduzir  o leitor. A narrativa se afasta e se aproxima do leitor, feito uma câmara cinematográfica. Também aumentando e diminuindo o foco. Este livro tem apresentações de Micheliny Verunski e Sidney Rocha. A publicação é da Editora Patuá.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.