Ó Cármen Lúcia! deixa o Lula falar

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 22/03/2018 03:00 Atualizado em: 22/03/2018 12:54

Infelizmente, o cala-boca nunca esteve tão vivo no Brasil.

Quem lembra da ministra Cármen Lúcia, em outubro de 2016, parodiando a crônica Deixa o Alfredo Falar!, do escritor Fernando Sabino, para justificar o seu voto no STF a favor da publicação de biografias não autorizadas, deve estar agora estranhando...

“Deixa o povo falar”, ela dizia então. Dizia mais: “Não há democracia sem liberdade”. Além de ter consagrado no Supremo Tribunal Federal o ditado popular: “O cala-boca já  morreu!”.

Eu peço que me esclareçam, se eu estiver equivocada em meu raciocínio, mas  o que o Supremo Tribunal Federal tem feito com o Lula ao negar-lhe o julgamento de seu habeas-corpus é ou não é: “Cala-boca, ex-presidente!”

Ora, ora, para a presidenta do Supremo Tribunal Federal, “mudar a regra para prisão a partir de condenação em segunda instância por causa de Lula seria “apequenar” a Corte”; entretanto, em sua ótica, não é “apequenar a Corte” receber para conversa privada em sua casa o presidente Temer, logo após ter seu sigilo bancário quebrado para se instruir um inquérito aberto contra ele, na Suprema Corte que a ministra preside.

Eu peço que me esclareçam, se eu estiver equivocada em meu raciocínio, mas  o que a Cármen Lúcia tem feito com seus colegas da Corte é ou não é: “Calem a boca, ministros que discordam de mim!”

Eu não conheço garantia constitucional mais importante, nem mais urgente que o habeas-corpus. É uma garantia constitucional em favor de quem sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de autoridade legítima. É tão valoroso, que etimologicamente significa: “Que tenhas o teu corpo”.

É inadmissível o Supremo Tribunal Federal, por meio de sua presidenta, negar o direito de Lula ao julgamento de seu pedido de habeas-corpus – não apenas porque se trata de uma garantia constitucional de um cidadão que tem o direito de gritar até a última instância que a sua ameaça de prisão é ilegal; mas acima de tudo porque se trata de um pedido de habeas corpus de um candidato autodeclarado à presidência do país que, mesmo depois de sua condenação, lidera as pesquisas com pelo menos 34% das intenções de voto, no primeiro turno das eleições.

Cala-boca já morreu, presidenta?! Então deixe os advogados de Lula falarem, presidenta! Porque, como a senhora mesma já declarou, não há democracia sem liberdade. E não há liberdade sem que a Corte Suprema de um país trabalhe para assegurar que um cidadão brasileiro, ex-presidente da República e candidato à presidência do país tenha consagrado o seu direito a um julgamento justo sobre o seu direito a ter o seu próprio corpo e a sua liberdade de ir e vir. 

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