Editorial Rússia first

Publicado em: 20/03/2018 03:00 Atualizado em: 20/03/2018 00:21

A reeleição de Vladimir Putin foi a crônica da vitória anunciada. Ninguém tinha dúvida de que ele se manteria no comando do Kremlim. Sem concorrente à altura, a vitória era considerada certa tanto pelas pesquisas quanto pelos especialistas. O que não se esperava era o tamanho do aval popular.

Com o voto facultativo, havia o temor de que o pleito não despertasse o interesse da população. Afinal, o resultado era carta marcada. Mas, sem o apoio maciço de jovens e idosos, a conquista talvez perdesse brilho. O medo mostrou-se infundado. Nada menos de 67% dos eleitores disseram presente — percentual superior à meta de de 2012 e próximo à fixada pelo governo. Não só. Putin recebeu mais de 76% dos votos válidos. Bateu recorde desde o fim da União Soviética, em 1991.

Ao concluir o novo mandato, em 2024, terá governado o país por um quarto de século. Para continuar no poder, precisará mudar a Constituição. Ele assegura que não o fará, mas nada impede que o faça. Aos 65 anos, o ex-agente da KGB, a polícia secreta soviética, construiu a popularidade ancorado no nacionalismo. Assemelha-se a Donald Trump, que bombardeia o slogan America first e afronta o multirateralismo com desenvoltura irresponsável.

Apelando para o imaginário saudosista, Putin promete a volta da Grande Rússia, ressuscitando o sonho do império czarista ou da cortina de ferro. O novo czar fez entregas substantivas que, aos olhos do povo, justificam os excessos de que o acusam. É o caso da anexação da Crimeia e do apoio aos rebeldes da Ucrânia. Não por acaso, as eleições foram antecipadas para que a data coincidisse com as comemorações dos feitos putinianos.

Também não se pode esquecer a efetiva influência russa na guerra civil síria, que completou sete anos sem perspectivas concretas de bater ponto final. Vladimir Putin se mantém ao lado de Bashar al-Assad, fator importante para conservar o ditador no poder, apesar da carnificina que contabiliza saldo de quase 500 mil mortos.

Acusações de que Moscou estaria por trás de ações extemporâneas, à moda da Guerra Fria, causam apreensão até nas grandes potências, mas parecem palatáveis aos russos. É o caso da interferência de hackers em eleições mundo afora, incluídos países-membros da Otan, como Alemanha e Estados Unidos.

A nebulosa história do ex-espião Sergei Skripal e da filha, Yulia, envenenados no Reino Unido por gás fabricado na terra dos czares, parece enriquecer o currículo do presidente reeleito. À resposta de Londres de expulsar diplomatas russos, Putin, além da ação recíproca, foi além. Mandou fechar o British Council.

Não por acaso, a vitória de domingo recebeu calorosos aplausos dos tradicionais aliados. Entre eles, China, Venezuela, Cuba, Irã e Uzbequistão. Mas mereceu protocolar manifestação, com ressalvas, de Alemanha e França. Os Estados Unidos se calaram. Vadimir Putin, no novo mandato, acena com passos cautelosos no populismo nacionalista que lhe deu cadeira quase cativa no Kremlim. Diz que vai investigar o atentado contra o ex-espião e aceitar forças internacionais na Ucrânia. Os próximos passos dirão se é fato ou promessas ao vento.

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