Editorial O corrupto é sempre o outro

Publicado em: 17/03/2018 03:00 Atualizado em: 19/03/2018 09:30

Ao dizer ontem que o Brasil precisa “redobrar o esforço” no combate à corrupção, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu a delação premiada como um dos principais instrumentos desse combate. “A prova é muito difícil, é muito difícil encontrar vestígios dos crimes de colarinho branco, vestígios de corrupção”, disse ela, destacando a “efetividade” da colaboração: “[ela] permite desvendamento de crimes, sobretudo do colarinho branco, que são praticados em portas fechadas, de modo dissimulado, de forma não violenta, mas igualmente insidiosa”. Segundo a procuradora-geral, “ninguém faz um acordo para desviar dinheiro. Não se documenta esse tipo de conduta. Por isso, a colaboração premiada é um instrumento tão importante e tão poderoso”.

Raquel Dodge fez as afirmações em Porto Alegre (RS), onde a força-tarefa da Lava-Jato encerrou ontem um balanço da operação, que completa quatro anos neste sábado. “As pessoas que cometeram esses crimes”, destacou a procuradora-geral, “não podem ficar impunes, não podem seguir sem reparar o dano, sem devolver aos cofres públicos o dinheiro de impostos que foram desviados pela corrupção”.

Na opinião do procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da operação em Curitiba (PR), temos um “sistema de justiça que privilegia a impunidade”. A corrupção é sistêmica e, como tal, precisa ser enfrentada de forma sistêmica, mas isso ainda não acontece, na opinião dele. “Precisamos atacar em várias frentes. Reforma no sistema político, melhora no sistema de licitações, transparência e participação da sociedade no controle das contas públicas”, disse ele.

Até agora, as ações da Lava-Jato resultaram na condenação de 160 pessoas em primeira instância, na 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro e 13ª em Curitiba. Na segunda instância, 77 réus foram condenados, pelo Tribunal Federal da 4ª Região. De acordo com os números oficiais da operação, aproximadamente R$ 1,9 bilhão de dinheiro desviado já foi recuperado. Nos chamados “acordos de leniência”, empresas e colaboradores concordaram em devolver R$ 12 bilhões.

Não há dúvidas que a Lava-Jato cumpre elogiável trabalho no enfrentamento à corrupção no Brasil. Tem sido também motivo de questionamentos aqui e acolá, mas na essência a operação apresentou, nos últimos quatro anos, resultados importantes para coibir o problema no país. Este combate ganhará mais consistência, atingindo o dia a dia de cada um, quando conquistar a adesão de todos, em nossas relações pessoais e profissionais. A corrupção não é uma erva daninha que se cultiva apenas nas esferas de poder, mas algo que se apresenta no cotidiano de todos nós - e que, muitas vezes, aí são tratadas como “algo normal”, como se o corrupto fosse sempre o outro.

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