Editorial Enigma norte-coreano

Publicado em: 12/03/2018 03:00 Atualizado em: 12/03/2018 10:15

Imprevisível. Talvez seja esse o adjetivo mais adequado para qualificar o comportamento de Kim Jong-un. Há pouco, o líder da Coreia do Norte parecia encaminhar o país para um conflito cujas proporções assustavam o mundo. Trocava farpas com o também temperamental presidente americano, Donald Trump, e insistia em levar avante o programa nuclear. Confrontos se sucediam: uma série inédita de testes de mísseis e a mais potente detonação nuclear até então.

No clima beligerante, em que a diplomacia parecia impotente, Pyongyang surpreendeu. Sem aviso prévio, acenou com possível distensão ao participar, em conjunto com a Coreia do Sul, das Olimpíadas de Inverno de Seul, receber em casa uma delegação sul-coreana e anunciar negociações formais, a partir de abril, entre os dois países da península coreana. Quinta-feira, foi além. Convidou Donald Trump para um encontro pessoal até maio. Trump aceitou.

Será um encontro histórico caso se concretize. Pela primeira vez na história, os líderes dos dois países se verão frente a frente. A desconfiança, porém, paira sobre a proposta. Com razão. A Coreia do Norte se notabilizou por fazer jogos de faz de conta. Firma acordos que sabe não serão cumpridos. O objetivo é ganhar tempo para desenvolver o programa nuclear.

Vale o exemplo. Em 1994, no governo do avô de Kim, Bill Clinton promoveu negociações para que os norte-coreanos suspendessem a produção de material atômico e o programa de testes de mísseis. Em troca, receberiam 500 mil toneladas de petróleo por ano. O acerto, concluído pelo pai do atual ditador, fracassou. Sem previsão de salvaguardas e inspeções detalhadas, projetos de desenvolvimento de armas prosseguiram desafiando até resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

O cenário agora é outro. A Coreia do Norte provou ter capacidade nuclear de atingir a costa leste americana. Pode, segundo sonha Kim-Jong-un, ter relações horizontais com Washington. Os dois chefes de Estado se sentarão à mesa sem intermediários. Será o primeiro passo de longa caminhada. Nenhum dos lados abrirá mão dos trunfos que guarda na manga. Concessões implicarão idas e vindas que envolverão outros países. Entre eles, sobressaem China e Coreia do Sul.

Se o diálogo avançar, trará alívio para a comunidade internacional. A ninguém interessa conflito na região que mais risco oferece para a eclosão de confrontos atômicos. Trará, sobretudo, alívio para os coreanos. Sulistas e nortistas pagariam o preço do desatino — seja de Washington, seja de Pyongyang. Agora, é torcer os dedos e esperar a voz da diplomacia.

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