Mulheres (outrora) silenciadas e um belo projeto

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 27/02/2018 03:00 Atualizado em:

Imaginem:  centenas, milhares de existências, que, ao longo dos séculos, nunca puderam se fazer ouvir. A sina marcada desde o nascimento: trabalhar, trabalhar dia e noite, ter e  criar filhos enquanto o corpo pudesse procriar, levantar-se com o nascer do sol, deitar-se com o por do sol, que nem sempre havia querosene para a lamparina nem a possibilidade de uma vela. E mesmo assim, ser capaz de encontrar a felicidade, ou pequenas felicidades, no canto da juriti anunciando um novo dia, no primeiro sorriso de uma criança que se conseguiu salvar de morte quase certa, naquelas terras, povoados e pequenas cidades, longe de médicos e de remédios. Mas havia uma outra vida possível, de emoções contidas, caladas, sentimentos represados sob a ausência de palavras que os exprimissem. Um vida silenciada. Agora, uma ocasião de se conhecerem estas vozes,  em bela iniciativa: a Secretaria da Mulher de Pernambuco instituiu o Prêmio Literário Anita Paes Barreto, para a Mulher Idosa;  Gêneros possíveis: Poesia e Conto. Os dez melhores trabalhos de cada categoria serão conhecidos no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quando serão premiadas as vencedoras, após parecer da Comissão Julgadora, que leu e classificou 62 trabalhos, vindos de várias cidades do interior do estado. a escritora Ana Maria Cesar, representando a Academia Pernambucana de Letras, convidada a participar do júri, assinalou a variedade de temas abordados, alguns referentes à vida rural, à beleza de aspectos da natureza, a benção da chuva fazendo florescer a plantação, mas igualmente a dureza do trabalho para fazer produzir a terra. A vida em família, onde a mulher, responsável pela educação dos filhos, se vê, muitas vezes sozinha, por morte ou abandono do marido. Ou mesmo, ainda na infância, deve repartir com a mãe, o cuidado dos irmãos menores e o preparo de refeições enquanto a mãe trabalha no campo. Preocupação também: aprender a se cuidar, medo do envelhecimento, de doenças. Igualmente,  a questão da sexualidade (há quem encontre um amor após a viuvez e fale da alegria desse amor). Entre os trabalhos apresentados, vários textos em Cordel, e muitos contos, às vezes quase crônicas, algumas bem elaboradas, sensíveis. Mas sobretudo, nesses escritos todos, paira o sentimento  de se sentir finalmente uma cidadã, que partilha de encontros e palestras, ao lado de outras mulheres que nunca ousaram tomar a palavra, em casa, na família, ou em público. De fato uma melhora na qualidade de vida dessas heroínas outrora esquecidas, e o “fortalecimento sociopolítico das mulheres”, como o deseja a Secretaria da Mulher de Pernambuco, sob a inspiraçao daquela outra heroína, Anita Paes Barreto,  cujo nome se evoca. Parabéns à secretaria e ao governo do estado.

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