A hora do século

José Luiz Delgado*
jslzdelgado@gmail.com

Publicado em: 26/02/2018 03:00 Atualizado em: 26/02/2018 08:40

Quando se encerrou o século XX, vários levantamentos indicaram Churchill como tendo sido “o homem do século”. Se se indagasse, adicionalmente, qual teria sido “a hora do século”, a data de 10 de maio de 1940 poderia ser uma boa escolha.

Foi o dia do convite do Rei para Churchill assumir como primeiro ministro, em substituição a Chamberlain. Boa parte da Câmara havia manifestado, na véspera, o desejo da renúncia de Chamberlain, homem íntegro e de boa fé, mas que havia sido enganado por Hitler em Munique e nem havia preparado o país para a guerra nem parecia capaz de conduzi-la. O único nome do Partido Conservador (que estava no poder) que a oposição (Trabalhistas e Liberais) aceitava era Churchill. A contragosto, e sobretudo considerando que Halifax, seu preferido, não poderia liderar o governo, pois era da Câmara dos Lordes e não da dos Comuns, Chamberlain cedeu e levou ao Rei a indicação de Churchill, pela qual o Rei também não morria de amores.

A sorte da guerra foi decidida aí. Também a sorte da Europa, a sorte do mundo inteiro, da civilização, da história, da liberdade, do humanismo. Chegamos hoje no século XXI, a esse consenso geral em favor da filosofia democrática, somente por causa de Churchill e, portanto, da escolha feita naquele dia mágico – no qual, ao mesmo tempo, a França estava sendo invadida. Há mais de uma década, Churchill, voz isolada na Inglaterra e no seu partido, vinha denunciando a política agressiva de Hitler. Mais do que temido por correligionários, era sobretudo o único homem a quem Hitler temia, como o Rei teria lembrado, segundo o ótimo filme “O destino de uma nação”.

Notáveis são especialmente duas coisas. Primeiro, a conjunção dos elementos. Que sorte fantástica, para a humanidade, Halifax não poder assumir e o poder ter de ir parar nas mãos de Churchill naquela hora absolutamente decisiva – “só me chamaram quando o barco já estava afundando”, “toda minha vida pareceu não ter sido senão preparação para aquela hora e aquela provação”... E os trabalhistas só aceitarem participar do governo de união nacional com Churchill à frente. (Ele deveu a ascensão mais à oposição do que a seus correligionários...) É quase inacreditável que, na angústia daquela tragédia, a Inglaterra (e com ela o mundo) tenha encontrado Churchill, provavelmente o único homem que, com aquelas excepcionais visão e determinação, poderia salvá-la, e salvar a humanidade – o homem certo para a hora certa, de inigualáveis tenacidade, bravura, lucidez histórica, imaginação delirante, obstinação absoluta. Ele sabia que aquela seria a mais bonita hora do Império, ainda que significasse a perda definitiva do mesmo império... E sabia que não conseguiria sozinho ganhar a guerra. Sua grandeza estava em não admitir perdê-la. Ele resistiria, a Inglaterra imortal resistiria, mesmo sozinha, até que, como ele anunciava, o novo Mundo despertasse do sono isolacionista e viesse salvar o Velho Mundo...

A outra coisa que impressiona é o sentido e o papel do líder, que não é aquele que apenas ausculta o povo, mas é o que o conduz, e, no fundo, o leva a reencontrar a própria vocação, sua alma e seu destino.

* Professor de Direito da UFPE

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