Silêncio eloquente sobre a Venezuela

Maurício Rands *
mrcbarros10@gmail.com

Publicado em: 26/02/2018 03:00 Atualizado em: 26/02/2018 08:41

A crise é humanitária. É forte a perseguição política. Prisões de oposicionistas e morte de manifestantes que ousam sair às ruas. A maioria sai é do país. Os dados variam. Estudo da Universidade Central de Caracas mostra que em 2015, o estoque de emigrantes venezuelanos já era de 606 mil pessoas. Ao final de 2017, já eram mais de 3 milhões. Quase 80% saíram em 2016 e 2017. Uma diáspora, que lembra a saga dos nordestinos tão bem descrita por Graciliano Ramos. Que atinge sobretudo os mais pobres. Mas que envolve algo como 30% de pessoas que chegaram à universidade. Os mais pobres não podem migrar formalmente para Espanha ou EUA. Vão para a Colômbia (550mil), Chile (109 mil), Peru (100 mil), Equador (80 mil), Argentina (70 mil), Brasil (70 mil) e outros países. Muitos trechos a pé. Deixam para trás seus lares, pertences, familiares e tudo o mais. Muitos estão acampados na Praça Simão Bolívar e chegam a Boa Vista pela Av. Venezuela. Ironia da História. Pois foi em nome de Bolívar que o regime destroçou a economia e a democracia de uma país que até então era dos mais ricos e atravessara sem ditadura o ciclo dos regimes militares no continente. Culpa dos fundamentalistas que estão no poder. Mas também de uma certa elite branca que sempre teve desprezo por seu próprio povo. Como pude constatar quando conheci a arrogância de alguns venezuelanos que estudavam comigo na Universidade de Oxford nos anos 90. Hoje, quis o destino, trabalho com algumas venezuelanas na OEA que têm atitude oposta. São solidárias ao drama do seu povo que migra para sobreviver e se livrar da perseguição política.

Em sua última sessão, no dia 23/2/18, o Conselho Permanente da OEA deliberou sobre uma proposta de resolução apresentada por Argentina, Brasil, Estados Unidos, México, Panamá e Santa Lúcia. A diplomacia brasileira, o ministro Aloysio Nunes e o embaixador na OEA José Luiz Machado e Costa estão de parabéns por terem articulado pioneira e ativamente a iniciativa. Ao considerar a antecipação das eleições presidenciais para 22 de abril, a falta de garantias democráticas para o pleito, bem como o informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Resolução CP/RES 1095 (2145/18) i) exorta o governo venezuelano a reconsiderar a convocação e a apresentar um novo calendário com garantias; ii) solicita ao governo que adote medidas para evitar o agravamento da situação humanitária, incluindo a aceitação da assistência da comunidade internacional; e, iii) reitera a disposição de apoiar medidas que permitam o retorno à ordem democrática e à paz social. A resolução foi aprovada por 19 votos, tendo 5 votos contrários (Venezuela, Bolívia, Suriname, Dominica, e São Vicente e Granadinas). Abstiveram-se 8 países, alguns aliados tradicionais da Venezuela na OEA como Equador, Nicarágua e El Salvador. Houve duas ausências. Verificou-se uma fissura no bloco de países caribenhos, que até então atuavam como rede de contenção à aprovação de resoluções contrárias à Venezuela. Lógico que a resolução não tem força vinculante para o governo venezuelano. Mas aumenta o seu isolamento e a pressão diplomática contra um regime que degenerou em ditadura escancarada. A resposta do embaixador da Venezuela na sessão, o vice-chanceler Moncada, fala por si. Ele exortou os demais estados-membros a ‘rechaçar qualquer pretensão dos membros da OEA de tutelar os assuntos venezuelanos’. Afirmou ‘desconhecer qualquer decisão que hoje se tome neste Conselho Permanente’. E conclamou o ‘glorioso povo da Venezuela a defender-se dos agressores que tentam pisotear a liberdade da nossa nação’.

Fica a reflexão para os setores que permanecem em silêncio face ao drama venezuelano. Não falta quem atribua a falta de empregos, alimentos e remédios ao ‘boicote exterior’. A culpa é sempre dos outros. Alguns continuarão a fazer vista grossa à degeneração que prende e mata opositores. Sob o argumento de defesa do ‘projeto popular contra as oligarquias’. Os mesmos que insistem em fazer da ‘disputa política’ a chave de enquadramento de qualquer fato. Talvez porque cegos à busca do poder político a qualquer preço. Que tal prestar um pouquinho de atenção à correspondência que deveria haver entre sua retórica e a realidade (e consequências) de suas práticas políticas?

* Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da Organização dos Estados Americanos.
* Opiniões do autor, que não representam posições da entidade a que está vinculado


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