Mandioca e cachaça na missa: um mito jornalístico sobre a Revolução Pernambucana

Rafael Vilaça Epifani Costa
Doutorando e mestre em Ciências da Religião pela Unicap.

Publicado em: 24/02/2018 03:00 Atualizado em: 24/02/2018 06:52

A Revolução Pernambucana foi o primeiro levante na história do Brasil que chegou a ser concretizado, passando da fase conspiratória. Após romper com o regime monárquico português, devido aos crescentes encargos econômicos, estabeleceu uma República que ocupava boa parte do território do Nordeste, e criou a primeira Constituição do Brasil, garantindo a liberdade religiosa e de imprensa. Por ter sido organizada, em sua maioria, pelo clero católico local, ficou conhecida como “Revolução dos Padres”. Porém, a Coroa Portuguesa rapidamente derrubou o levante.

Em março de 2017 foram comemorados os 200 anos da Revolução e as celebrações do bicentenário ganharam destaque em muitos jornais de Pernambuco e do Brasil. Em muitas matérias veiculadas, as manchetes chamavam a atenção: “Mandioca no lugar do trigo, cachaça no lugar do vinho”. No texto, traziam a informação de que os padres revolucionários passaram a utilizar nas missas a mandioca para a fabricação das hóstias, ao invés do trigo português, e a cachaça, ao invés do vinho europeu, como forma de criar uma identidade religiosa local.

Mas algo não batia. A informação veiculada muitas vezes era mesclada com trechos de entrevistas com historiadores locais, que citavam os chamados “banquetes brasileiros”, nos quais os produtos pernambucanos eram consumidos no lugar dos produtos portugueses e contavam com a participação tanto de camadas populares, quanto de profissionais liberais, juízes e o clero. Porém, estas festas tinham um caráter exclusivamente político, não religioso. Apesar de envolver diretamente o clero, a Revolução era guiada pelos princípios iluministas, trazidos da Europa.

Após debruçar-me sobre obras que são referências no assunto e nos registros da época, como do viajante francês Louis-François de Tollenare, não encontrei uma fonte sequer que indicasse que os padres pernambucanos tenham ousado fazer essa inovação na liturgia católica, até porque não se tratou de uma guerra de religião, nem havia um movimento anticlerical, ou qualquer pendência entre a Igreja e o Estado.

Não existe História sem fontes, e no caso da Revolução Pernambucana, considerando que tal informação chegou a ser veiculada em sites como do Ministério da Cultura e do estado do Rio de Janeiro, é preciso analisar com bastante cuidado os acontecimentos, para não cair no equívoco de divulgar dados históricos inexistentes, criando-se, muitas vezes uma aura mitológica em torno dos eventos.

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