Editorial Mudar exige mais coragem

Publicado em: 23/02/2018 03:00 Atualizado em: 23/02/2018 06:42

Um ambiente sombrio, onde há “iniquidade, descaso, opressão, tratamento ultrajante e indiferença do poder público”. Assim, o decano Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, descreve o sistema penitenciário brasileiro, ao votar favorável ao habeas corpus coletivo que transfere para o regime domiciliar as mulheres grávidas e com filhos de até 12 anos ou deficientes presas preventivamente. Os tribunais do país terão 60 dias de prazo para cumprir a decisão da 2ª Turma do STF, que acolheu o pedido da Defensoria Pública da União.

O benefício só valerá para as mulheres que não cometeram crimes violentos ou de ameaça. Elas somam cerca de 76% da população feminina encarcerada, que, em 2016 somava 45.589 pessoas, segundo os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). A maioria delas — 62% — cometeram crimes relacionados ao tráfico de drogas. Pelo menos 622 presas provisórias serão beneficiadas com a decisão da Alta Corte.

A decisão da 2ª Turma do Supremo não foi por unanimidade. O ministro Edson Fachin discordou do relator, Ricardo Lewandowski, que pediu “coragem” aos colegas. Sem desconsiderar o apelo em favor das crianças, Fachin ponderou que é preciso avaliar cada caso, antes de conceder o benefício. O cuidado é necessário para que a intenção da magistratura não se transforme em injustiça. Os bebês não podem ser submetidos a ambiente degradante. É crime contra a infância, e o autor, no caso, é poder público, que não assegura as condições adequadas para as gestantes e as parturientes. A ausência dessas condições penaliza os pequeninos inocentes.

Mas a mudança exige uma revisão na estrutura do Judiciário, para que os julgamentos ocorram nos prazos legais estabelecidos pela legislação. Hoje, sabe-se, por meio de dados oficiais, que muitos passam anos privados da liberdade, por tempo superior à pena fixada o para delito cometido. A assistência jurídica do Estado se revela insuficiente. Os que não dispõem de meios para contratar defensores são esquecidos no tenebroso cenário.

Se levado em conta só o aspecto humanitário e a descrição do sistema penitenciário brasileiro feita pelo ministro Celso de Mello, igual medida deveria atingir a maioria dos detentos. Dos 726.712 presos (homens e mulheres) do país — a terceira maior população carcerária do mundo —, 40% são provisórios. As rebeliões trouxeram à opinião pública o ambiente degradante em que os aprisionados vivem. Nem de longe, as penitenciárias cumprem o papel de ressocializar os infratores. Ao contrário.Tornaram-se, ao longo do tempo, espaço para cooptar integrantes ao crime organizado.

O perfil da população carcerária revela ainda que as deficiências do sistema educacional estão relacionadas ao avanço da violência e ao crescimento do número de prisioneiros: 45% deles não concluíram o ensino fundamental; 14% têm ensino médio completo e menos de 1%, ensino superior. Ou seja, quanto maior o grau de escolaridade, menor é a presença dos indivíduos nas cadeias. “Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos”, ensinou, Pitágoras, matemático e filósofo grego. Não há outro caminho para erradicar a violência e transformar o país.

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