Mário na avenida

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 20/02/2018 03:00 Atualizado em:

Não há como negar, e mesmo para quem, como eu, não gosta de carnaval, o espetáculo de algumas escolas de samba dá motivo a discussões, apreciações, críticas, ante a beleza de certas fantasias e de corpos bronzeados, besuntados, quase perfeitos, e a gente não pode deixar de perguntar com que dietas conseguem se manter naquela forma, se equilibrar naqueles enormes saltos e suportar o desfile e a preparação por horas de espera, de danças, evoluções e o peso das roupas. E, evidentemente, se perguntar de onde tiram tanto dinheiro. Antigamente, sabia-se, a grana vinha em parte da colaboração dos bicheiros... mas... agora? Cala-te boca, se prefeituras e estados estão falidos... ao que dizem. Um pleito cujo resultado esperado provoca rezas, consulta a orixás, a santos cristãos, a desfiar de rosários... choros e ranger de dentes. Ao ver tudo isso, gente ingênua feito eu imagina a impossível hipótese: se duzentos milhões de brasileiros empregassem toda essa energia, digamos por uma semana, na construção de escolas, hospitais, creches, limpeza de canais, grande parte de nossas carências de subdesenvolvidos seriam sanadas. Santa ilusão, ópio do povo, Karl Marx, o senhor se enganou. Mas o carnaval se foi e, como cantava Nara, nos corações saudades e cinzas foi o que restou. O que eu queria mesmo, ao iniciar este artigo, era registrar minha alegria, logo esvanecida, quando anunciaram uma homenagem a Mário de Andrade por uma das escolas de São Paulo. Mário, aquele intelectual (ele detestava essa palavra) que, melhor e mais lúcido que ninguém, pensou o Brasil, amou o Brasil e teve essa premonição há meio século: “a minha gente vai muito sofrer...” Decepção: a homenagem constou da enumeração de alguns livros de Mário e de uma grande caricatura que nem de longe o lembrava. Pensei que o Remate de Males podia sugerir metaforicamente, como advertência ou algo parecido, e a Pauliceia Desvairada figurar os desmandos que hoje sofre a capital. Nem sombra. Nem alusão a alguma arlequinada, substantivo tão caro ao poeta. E só restou como lembrança a estrofe da Lira Paulistana: “Partir, eu parto, mas essa música é mentira, mas eu não sei onde vou”. Ou os versos sobre rua onde morou, e o destino dos poetas: “Nesta Rua Lopes Chaves envelheço envergonhado nem sei quem foi Lopes Chaves. Mamãe me dá essa lua. Ser esquecido e ignorado como esses nomes de rua”.

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